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quinta-feira, 22 de junho de 2023

Um acolhimento aprendiz*

Um dos fundamentos da atividade clínica do filósofo é a palavra. Palavra idealizada, pronunciada, escrita, refletida, silenciada. O esboço preliminar do partilhante, quando chega ao consultório do filósofo, se apresenta em múltiplas possibilidades de expressão. Não é raro compartilhar um raciocínio desestruturado, um discurso incompleto, recheado de figuras de linguagem, as quais fazem sentido tão somente ao seu próprio dicionário.

Ao filósofo clínico compete aprender com a singularidade diante de si, com sua expressividade, significados, representação de mundo, as narrativas e demais movimentos de sua malha intelectiva.

Carlos Nejar contribui: “(...) e a imaginação produz frutos novos e imprevisíveis, sem lutar consigo mesma. Podemos ver o mundo de um navio ou de um barril, através de seus buracos. Assim pensavam Platão, Rabelais (...) e eu vejo o mundo através de minhas palavras” (Carta aos loucos, 2008).  

Nesse sentido, cabe ao filósofo clínico decodificar os conteúdos, a semiose por onde se oferecem, as axiologias, a estruturação subjetiva. Observar, acolher, compreender, dialogar com a subjetividade partilhante em ação, suas inéditas descrições, as desconstruções e reconstruções. Nesse espaço privilegiado de construções compartilhadas, a atividade clínica do filósofo se desenvolve.

Os atendimentos em consultório, hospitais psiquiátricos, consultorias e a releitura teórica qualificam a compreensão do conceito de singularidade, assim como os interesses sociais (família, mundo do trabalho, indústria farmacêutica) envolvidos na manutenção da fábrica de desatinados, tendo como base a instituição jurídica do manicômio. Fonte de aprendizado permanente, especialmente do que não fazer comas pessoas.

Em Carlos Nejar: “Oriondo, pescador, tinha a palavra como rede e sua loucura era conversar com os peixes. Não seria a loucura a única forma de relacionamento com o universo?” (Carta aos loucos, 2008).  

Para entender o fenômeno humano conhecido pelo genérico: loucura, não basta consultar os manuais diagnósticos, visitar presídios, hospitais psiquiátricos, é necessário desconstruir a trama ideológica de onde brota e se sustenta essa definição. Descrever os papéis das instituições na sociedade, denunciar a serviço de que verdade se constituem e proliferam, reciclando práticas de exclusão, controle, submissão.

A compreensão do discurso existencial partilhante reivindica mais que fórmulas prontas, receitas, classificação diagnóstica. Pressupõe a convivência do filósofo clínico com sua realidade, em busca de compreender seus instantes de crise e ressignificação, acessando, pela via compartilhada, o idioma pelo qual traduz sua desestruturação em travessia.

*Hélio Strassburger in “Filosofia Clínica – Anotações e reflexões de um consultório”. Ed. Sulina/Porto Alegre/RS. 2021.  

**No Instagram: @helio_strassburger

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