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historicidade das publicações

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Ao pé da letra*

Uma clínica fundada exclusivamente no discurso literal pode ser areia movediça. O discurso da singularidade, se tomado ao pé da letra, desmerecendo os sentidos da autoria, pode significar uma sucessão de equívocos. Assim, as armadilhas se multiplicam com o suposto saber especialista e sua classificação a priori.

Ao rascunhar alguns apontamentos sobre Filosofia Clínica, é importante recordar um de seus fundamentos: a ausência de tipologias, rótulos, classificações. Nessa abordagem, vale mais o discurso partilhante. Fonte de saber e matéria-prima aos procedimentos do filósofo.

O vocabulário de cada sujeito, mesmo quando este usa as palavras de sua tribo, aprecia significados próprios, distorções, sentidos inesperados. Aqui se tem um refúgio de maior intimidade, por onde a pessoa exercita seus devaneios, desloca-se pela geografia de sua subjetividade.  Nesse lugar, descobre-se uma fonte de originais; longe dele, as expressões perdem a referência do autor.

Trata-se de um protagonista numa história que lhe pertence. Assim, a literalidade possui nuances, deslizes, desdobramentos nem sempre acessíveis ao primeiro olhar. Entre mostrar e esconder existe um teor discursivo inédito. Sua chave de acesso é a intencionalidade narrativa, por onde seu vocabulário anuncia as origens estruturais. Aqui, o olhar e a escuta reivindicam uma fenomenologia para acolher a realidade diante de si.

Para visualizar a geografia da estrutura de pensamento, é impreciso transitar entre o dado literal e suas derivações, encontrar o eixo representativo da pessoa nas entrelinhas do dizer. Buscar uma aproximação com os conteúdos refugiados na palavra. Cabe ao filósofo revisar os dados iniciais constantemente, atualizar a interseção, deslocar-se de seu lugar de conforto existencial, visitar o esboço de seu partilhante em vias de tornar-se. Talvez assim consiga emancipar o sentido de cada trama discursiva.

Inúmeros recados podem ser enviados pelos termos equívocos, incompletudes narrativas, desestruturação de raciocínio, algo de difícil compreensão, se distante do momento precursor. A disposição da intencionalidade pode ser uma alternativa para a tentação de ficar ao pé da letra. Aqui, significa encontrar o autor do próprio discurso, sua fonte de transgressão e originalidades, deixando para trás a tentação das prévias certezas.

Ao pé da letra se tem algumas noções e muitas armadilhas interpretativas. Os sobressaltos da singularidade constituem uma zona de referência. Por essa rasura compartilhada nos discursos, a pessoa pode ampliar seus horizontes. Seu teor de incompletude discursiva acolhe invisibilidades, concedendo um nome ou apelido àquilo que se desconsiderava.  

*Hélio Strassburger in “A palavra fora de si – Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem”. Ed. Multifoco/RJ. 2017.

**No Instagram: @helio_strassburger

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