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segunda-feira, 26 de junho de 2023

Lógicas da diferença*

"Também a ciência, chegando ao fim de seus paradoxos, deixa de propor e se detém para contemplar e desenhar a paisagem sempre virgem dos fenômenos. O coração aprende assim que a emoção que nos transporta até as diferentes facetas do mundo não nos vem de sua profundidade, mas de sua diversidade.”

                                                                      Albert Camus 

Uma arqueologia atualiza-se em descobertas de múltiplas faces. Indeterminados fenômenos no lugar qualquer de todo lugar. Exceção de natureza imprevisível, se faz dissonância na concepção de outras regras. Decifrar das expressividades na superação ilimitada aos novos territórios. Vastas regiões no exílio sagrado das lógicas da singularidade.

Heterogêneas formas na superação do espírito de multidão. O devir dos contextos impulsiona, para além da mimese cristalizada dos hábitos, múltiplas estranhezas em contrassenso com o ser normal. Códigos de imprecisão excedem os momentos de crise. Reapresentação das originalidades ao olhar de espanto das incertezas.

Especulação na margem imprevisível dos mundos por descobrir. Antítese das travessias entremeios de aparente sem direção. Essência irrefletida numa fonte inesgotável de cores, sons, aromas e sabores. Um vir-a-ser ensaia discursos nas autonomias da exceção. Descontinuidade em atalhos para além do princípio de realidade.

Eric Landowski diz: “(...) ser um percurso estranho e ao mesmo tempo perfeitamente lógico: vindos de longe, eles escolheram permanecer integralmente eles mesmos, entre nós: programa de camaleão; e se por isso eles se instalam exatamente no centro, é porque esse lugar, por oposição a todos os outros, não é verdadeiramente daqui: tática do urso, que sabe que seu refúgio mais seguro para ser livremente o que ele é se encontra algumas vezes no coração da multidão, no centro cego do sistema.” (Presenças do outro, 2002).

A forma de pensar das lógicas da uniformidade, um pouco antes de preservar as raridades, a destroem. Ameaça permanente com abismos de caráter intransponível. Estreitar dos horizontes da criação na alienação de viver sem ânimos de contradição. A partir daí, tratamentos (família, escola, igrejas...) para normalizar-classificando, demarcam até onde o fora de série poderá ir, sem rasurar os moldes.

A diversidade capaz de emancipar a vida diverte-se na desarmonia com as lógicas da tradição. Distanciar eficaz das estéticas da imprecisão. Conjecturas de difícil tradução escolhem um tempo qualquer, para significar-se em caminhos outros. Internação das possibilidades por não se fazer entender. Buscas na sintaxe do acolhimento para modificar tramas, cada vez mais, em rota de colisão com os desvios da singularidade.

Remo Bodei desconstitui as rotas de tranquilidade: “Por isso, somente os artistas mais sublimes foram capazes de explorar tais áreas de extremo perigo e retornar para descrevê-las e exprimi-las para proveito de todos: Dante, Michelangelo, Shakespeare, Mozart, Goethe... A arte mais sublime encontra o seu terreno mais fértil na proximidade dos abismos.” (As formas da beleza, 2005).       

Uma autopoiésis insinua-se em signos de inconformidade. Derivação no caleidoscópio multicor dos dialetos. Descontinuidade dos trajetos na (re)invenção para si. Uma genealogia em ficções de pluralidade escolhe-se na articulação simbólica dos hermetismos. Refúgio distante na desconformidade com a rigidez das correções. A introspecção é capaz de qualificar desacordos com as regras de ser habitual.

As lógicas do ‘para sempre’, tentam delimitar as fronteiras do possível. Contradição com as percepções da diferença. Aptidão divergente no pensar transformador a estabelecer combinações de caráter incrível, na manifestação a ultrapassar impróprios limites.

Na insuficiência semiótica, uma convenção de pretensão definitiva, não consegue incluir o admirável extrapolar das fachadas. Uma assimetria revela-se na distância aproximada de um talvez. Espécie de viver mambembe no devir exótico dos contrastes. Extraordinários trajetos na incerteza das margens. Instabilidade dos ensaios a constituir outras vias ao ser normal.

Para Nietzsche: “(...) entre as coisas que podem levar um pensador ao desespero está o conhecimento de que o ilógico é necessário para o homem e de que do ilógico nasce muito de bom. Ele está tão firmemente implantado nas paixões, na linguagem, na religião e, e, geral, em tudo aquilo que empresta valor à vida, que não se pode extraí-lo sem com isso danificar irremediavelmente essas belas coisas.” (Humano demasiado humano, 1987).

Procura no processo de entendimento com as expressividades do cuidado e da atenção. Estranho logos num projeto de autenticidade transformadora, desafiando olhares com a ilusão de ser real. Espécie incompreendida a constituir-se nos rituais de metamorfose. Ânimos de caráter marginal na polivalência a desestabilizar vontades, a partir de então, insubmissa epistemologia para com as coisas da tradição.

O ir e vir das interseções aprecia roteiros para a desconstrução das antinomias da inflexibilidade. Imprecisão contraditória em trânsitos pela subjetividade outra, que não àquela velha conhecida. Ponto de partida aos simulacros de universalidade, a partir de então, sem forças para resistir às divergências de crescente autonomia. Um pensar reflexivo-transformador propõe múltiplas versões. Irreconhecíveis anterioridades possuem força narrativa através das incredulidades. Os disfarces e a maquiagem excessiva vão sendo abandonados, em caóticas preliminares ao (re)significar-se.

Transgressões na fantástica desordem das estruturas de ser bem-comportado. Ponto de vista onde a camisa-de-força da normalidade não se atreve pisar. Ocasião para o não-dito eficaz dos silêncios. Superação na contravenção sem hora marcada com o viver igual. As estéticas do (ir)racional ultrapassam as crises. (Re) significar intuitivo dos instantes, na associação desarticulada com as tendências da classificação.

Maurice Blanchot convida a pensar: “Qual é esse projeto secreto, inacessível e inexistente cuja pressão constante se exerce, de fato, sobre os homens, e particularmente sobre os homens problemáticos, os criadores, os intelectuais, que estão a cada instante, como que disponíveis e perigosamente novos? A ideia de uma vocação (de uma fidelidade) é a mais perversa das que podem perturbar um artista livre.”  (O livro por vir, 2005).

Para além das lógicas da correção e da permanência, múltiplos enredos inquietam-se na relação inconformada com a alienação de ser objeto. Devir constitutivo através das insignificâncias do acaso. Manifestação descontínua a desvendar um não-sei-o-que imprevisível. A partir de então, uma impressão estranha a denunciar verdades no lugar sagrado do ser incompreendido. Exploração interdita na leitura conformadora das patologias da classificação.

Para não fazer diferença, inúmeras interdições tratam de classificar e prescrever suas drogas. Ponto de partida às metamorfoses da intencionalidade. Vias de acesso a ultrapassar interdições. Quiçá a desrazão possa realizar um contraponto eficaz com as rotas conhecidas.

Palavras de aparente sem nexo aguardam escutas de compreensão. Ânimos de interseção com as disritmias e contrassensos de exagero. Ocasião para a doxa inventar-se em rituais de experimentação. Diferença recém-descoberta nos itinerários pelo avesso se ser único. Originária articulação das vontades escolhe revelar-se na simultaneidade dos desajustes. Flagrante contradição no fora de foco dos instantes, onde as provisórias convicções esboçam suas buscas.

Em Lévi-Strauss: “(...) essa lógica trabalha um pouco à maneira do caleidoscópio, instrumento que também contém sobras e pedaços por meio dos quais se realizam arranjos estruturais. Os fragmentos são obtidos num processo de quebra e destruição, em si mesmo contingente, mas sob a condição de que seus produtos ofereçam entre si certas homologias: de tamanho, de vivacidade de cor, de transparência.” (O pensamento selvagem, 2007).    

A diferença pode implicar numa desconexão com anteriores disposições. Desconstrução nem sempre explicável nos paradoxos com as fórmulas prontas. Originalidades desmerecidas em argumentos de ser impossível. As lógicas da diferença, propõe outros contextos, até então impensáveis, não fora o simulacro das insanidades.

Desestabilizar das precárias certezas, antevendo elaborações de autonomia. Improváveis devaneios no pensar instável em transição pelos recomeços. Miragens de um saber, a insinuar-se na contradição dos estruturados raciocínios. Versões incomparáveis, na ruptura dos consensos.

*Hélio Strassburger in “Filosofia Clínica – Poéticas da singularidade”. Ed. E-Papers/RJ. 2007.

**Instagram: @helio_strassburger

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