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Você está no espaço Descrituras. Aqui encontrará alguns textos publicados, inéditos e outros esboços de minha autoria. Tratam-se de manuscritos para estudo e pesquisa. Desejo boas leituras.

historicidade das publicações

sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Filosofia Clínica Agridoce 9*

                                          Um não-ser como travessia

A categoria lugar - em Filosofia Clínica - refere-se à condição objetiva ou subjetiva de uma pessoa. Quando determinante, contribui para decifrar aquilo que a constitui como devir.  

Os endereços existenciais por onde transcreve sua realidade, apreciam os deslocamentos para rascunhar horizontes, um pouco antes de ser algo palpável.

Em Dostoiévski: “Fico imensamente feliz por ter descoberto que trago paciência em minha alma por tanto tempo, que não desejo as coisas materiais e não preciso de nada mais que livros e a possibilidade de escrever e de estar sozinho por algumas horas todos os dias. (...)”. (Correspondências, 2011. Pág. 78).

A referência de lugar, para uma pessoa, pode significar o mundo inteiro em processo de existir, uma vez que se entrelaça com sua condição singular, nem sempre compartilhável ao olho nu dos princípios de verdade. A malha intelectiva e os demais aspectos integrantes de uma estrutura de pensamento, podem ser incabíveis na formatação social onde sua vida acontece.

Para outras as referências partem de fora para dentro, ou seja, são agendadas pelo meio onde convivem com o mundo do trabalho, igrejas, avenidas, teatros...

João do Rio contribui: “(...) Se as ruas são entes vivos, as ruas pensam, têm ideias, filosofia e religião. Há ruas inteiramente católicas, ruas protestantes, ruas livres-pensadoras e até ruas sem religião.” (A alma encantadora das ruas, 2009. Pág. 38).   

Ao transitar pelas calçadas é possível ouvir os sons, sentir os cheiros, abraçar a brisa, vislumbrar as cores ao redor e, ao regressar ao universo subjetivo, ressignificar ou integrar isso tudo para emancipar suas fronteiras.   

Algumas pessoas serão sensíveis ao impacto das ruas, outras irão transitar invisíveis, sem ficar refém de uma ou outra circunstância objetiva. Essas, quando identificadas, parecem flanar pelas calçadas da cidade, por onde deslocam seus dias numa sensação de quase intocáveis.

Nina George traduz: “(...) Monsieur Perdu observou como o que lia alterava seus contornos de dentro para fora. Viu que Anna havia encontrado em si uma caixa de ressonância que reagia às palavras. Era um violino que aprendia a tocar a si mesmo.” (A livraria mágica de Paris, 2019. Pág. 38).

Existem livros e personagens que integram a relação familiar de quem lê. Como se fora seres de carne, osso, coração, sonhos, revestidos de papel e palavras. Para esses, os livros têm alma, são insubstituíveis, sugerem a extensão do próprio corpo, ao retornar a vida pelas mãos de um leitor.

Nesse sentido, não se refere a categoria lugar, como algo estático, impregnada de raízes e freios existenciais - os quais podem fazer sentido para algumas pessoas - mas um endereço existencial que se desloca para se encontrar.

Aquele abraço,

*hs

terça-feira, 26 de dezembro de 2023

Filosofia Clínica Agridoce 8*

 

Um certo ar de indiferença e uma invisibilidade social/institucional, tem oferecido um campo de trabalho significativo, ao novo paradigma da Filosofia Clínica. Não me refiro a interseção clínica com os partilhantes, nas milhares de horas-sessão de atenção e cuidado com o fenômeno da singularidade. Um reconhecimento incabível e intraduzível, se distante dos endereços onde acontecem. 

O viés da nova abordagem terapêutica, ao encontrar subsídios na Filosofia, se traduz numa qualidade de acolhimento, até então desconhecida pelos protocolos da medicina do corpo. Os exames categoriais buscam encontrar a singularidade lá onde se localiza existencialmente. A estrutura de pensamento é única e possui rituais subjetivos para viabilizar seu devir, longe dos consensos, aconselhamentos, orientações pré-estabelecidas.

As críticas que temos recebido de algumas instituições que se sentem ameaçadas, são homenagens ao nosso trabalho e contribuem para orientar nossas atividades. Pelas quais somos gratos. 

Fernando Pessoas indica: “(...) ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala.” (Alguma Prosa, 1990. Pág. 74).

As repercussões do novo, junto aos contemporâneos, reivindicam uma espécie diferenciada de sujeito (para ser filósofo clínico). Este terá de, além de aprender a nova linguagem, conviver com: incompreensões, ressentimentos, isolamentos, ameaças. Ainda mais quando o paradigma recém-chegado, colocar por terra muitos edifícios reconhecidos.

Em um país (América Latina – A pátria grande – Darcy Ribeiro) de tendências coloniais, como se fazer entender, uma vez que a mídia e a maioria dos integrantes das cátedras acadêmicas, literárias, cinematográficas... se acham acorrentados no fundo da Caverna de Platão?  

Fernando Pessoas ensina: “Como pode uma época compreender ou apreciar aquilo que, por definição, a supera? (Alguma Prosa, 1990. Pág. 105).

Num tempo sem tempo, na vertigem da lógica tik-tok, da vida descartável, dos desatinos dos senhores da guerra e do lucro a qualquer preço, como enxergar a diferença, quando o próprio fenômeno humano se propõe a renúncia de sua condição?

Nesse sentido, contraditória a essas retóricas do cotidiano, a Filosofia Clínica prossegue cuidando da vida e das pessoas (que a encontram). Cabe um agradecimento aos métodos e instituições que contribuem com nossa agenda há quase 30 anos.

Aquele abraço,

*hs

domingo, 24 de dezembro de 2023

Filosofia Clínica Agridoce 7*


 

          





                                       A vida secreta das palavras 

Um pouco antes do aparecimento de um sujeito em pronúncias de ser singular, o que se tem é o dicionário de uso comum e um pretenso saber especialista, o qual não imagina ser refém de suas lentes.

Jorge Luis Borges auxilia: “As palavras, diz Stevenson, são destinadas ao comércio habitual do dia a dia, e o poeta de algum modo as converte em algo mágico.” (Esse ofício do verso, 2007. Pág. 84).

Octávio Paz ensina que todos somos poetas. O fragmento alerta para o fato de que existem múltiplas derivações, tendo como ponto de partida uma palavra, um contexto, uma expressão, muitas vezes desconhecida da própria pessoa e dos princípios de verdade.  

A clínica do filósofo aprecia localizar esses dialetos e idioletos, ao encontrar, pela via da fenomenologia, analítica da linguagem, hermenêutica compreensiva..., um sentido que pertença a própria pessoa, em um processo de reencontro consigo mesma.   

Ainda Borges: “Acho, porém, que o fato de termos longos catálogos de palavras e explicações nos faz pensar que as explicações esgotam as palavras, e que qualquer uma dessas moedas, dessas palavras, pode ser trocada por outra.” (Esse ofício do verso, 2007. Pág. 97).

O poeta e escritor argentino destaca que as explicações não esgotam o sentido de uma palavra, a qual - apesar da literalidade -, pode, a qualquer momento, assumir uma nova conformação discursiva.  

Veja-se um dos equívocos da igreja psicanalítica: ao oferecer suas tipologias, dispõe, como remédio, a distorção de uma originalidade. Como isso ocorre? Através de um discurso de saber-poder, com as hermenêuticas interpretativas, em cumplicidade com o gesso diagnóstico e prognóstico de sua alma gêmea: a psiquiatria. Assim, traduzem sonhos, esquecimentos, atitudes, caos criativo e libertário, como algo fora do comum. Sugerem desconhecer a existência de um sujeito em processo (questão metodológica).  

A cumplicidade de um espírito colonial com a submissão voluntária as retóricas da hegemonia (via manipulação midiática e outros), faz com que determinadas intervenções de aspecto terapêutico sigam conformando o fenômeno humano aos limites de um aquário existencial que não lhe representa.  

Por outro lado, já se vislumbram outros caminhos, na periferia e a margem dos consensos. Nesse sentido, ao ser sujeito de sua história, é possível a uma pessoa, deixar de ser refém de uma outra igreja, que não a sua própria expressividade em processo de existir.  

Aquele abraço,

*hs      

sábado, 23 de dezembro de 2023

Filosofia Clínica Agridoce 6*

 

Em Filosofia Clínica, uma das dificuldades em compartilhar adequadamente os eventos da hora-sessão, reside no fato de que a conjugação de aspectos como: o papel existencial, a expressividade, a qualidade da interseção e as possibilidades de construção compartilhada, costumam reivindicar atitudes de acordo com as dialéticas do instante.

Thomas Kuhn, em sua obra: “A Estrutura das Revoluções Científicas”, ed. 2013, pág. 117, em nota de rodapé, indica: ‘Michel Polanyi desenvolveu brilhantemente um tema (...) argumentando que muito do sucesso do cientista depende do “conhecimento tácito”, isto é, do conhecimento adquirido através da prática e que não pode ser articulado explicitamente’.

Lembro de um tempo em que ficava intrigado e desconfiado até, das retóricas bem ajustadas e bem-falantes de alguns profissionais da área Psi, quando falavam sobre sua atividade clínica, demonstrando uma espécie de controle – na verdade inexistente – que costuma agradar muita gente, despreparada para identificar seu jogo de cena. 

Esses malabarismos verbais, passam longe de traduzir os eventos da hora-sessão. Talvez por isso, alguns profissionais dessa área, depois de alguns anos de trabalho em consultório, sintam a necessidade de deixar de lado, muitas das definições da teoria, que lhe foram alcançadas, quando de sua deformação acadêmica.

O modelo de clínica da Filosofia Clínica - longe de ser a resposta para todas as coisas -, no entanto, oferece subsídios metodológicos de ajuste permanente da atividade do filósofo clínico, o qual pode realizar atualizações de acordo com o padrão autogênico necessário aos atendimentos com base na singularidade. Seu ponto de apoio será a própria estrutura teórico-prática da abordagem, a qual pressupõe em sua mensagem, as transformações que terá de oferecer, quando os fenômenos de consultório deixarem de ser a letra morta dos artigos, crônicas e definições bem ajustadas da teoria escolar.

Uma das contradições que raros suportam nessa profissão, é a distância que pode surgir, quando, nas dinâmicas de consultório, aparecem fatos de aspecto absurdo ou improvável, reivindicando ao filósofo clínico, um borogodó que não lhes é possível ensinar nos bancos escolares.   

Aquele abraço,

*hs

quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Filosofia Clínica Agridoce 5*

                                       Sobre a arte de ser invisível 

Por volta de 1999, na capital gaúcha, a Filosofia Clínica despontava como novidade, tanto no campo teórico como na atividade prática. O incômodo que causou - e ainda causa - aparecia na forma de ataques de alguns próceres - que se achavam donos? - do discurso filosófico acadêmico.

Aqui no Sul, acontecia algo semelhante ao que proibiu (anos 1980) Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir palestrarem na capital gaúcha, quando de sua estada no Brasil. Outro caso, que ficou célebre do escracho da intelectualidade escolar, foi a censura e o exílio (anos 1970/1980) de outro grande pensador: Gerd Bornheim, por manifestar um viés excessivamente (?) filosófico e libertário com suas ideias. Assim, esse mesmo território produz (anos 1990) a Filosofia Clínica, com uma mensagem singular, revolucionária, questionadora das crenças e verdades até então hegemônicas.  

Nesse tempo, ocorriam debates, críticas maldosas, ameaças, a maioria por pessoas que não sabiam o que falavam, apenas liam: “Filosofia Clínica” e passavam a discorrer sobre o tema, despreocupados em saber mais e melhor. Revelando uma postura não-filosófica em relação ao novo paradigma.  

Depois de algum tempo - tentando esclarecer, divulgar, orientar - sugeri ao nosso grupo de trabalho, que fôssemos cuidar dos atendimentos, parcerias, desenvolvimento da nova abordagem - para incômodo ainda maior de alguns - já era um projeto nacional -.

Nessa época, lembro com carinho e gratidão, o fato de que, levado por um amigo, conheci a vila Alto Erechim (Morro Teresópolis), no extremo sul da capital gaúcha, onde comecei a trabalhar como filósofo clínico. Com esse evento aprendi as vantagens de ser invisível.

Por cerca de 04 anos conheci pessoas e realidades incríveis, dessas que você pensa existir somente nos filmes de ficção. Com eles desenvolvemos um espectro de construções compartilhadas de longo alcance, sempre com o apoio indispensável das agentes comunitárias, que iam de barraco em barraco, oferecendo os atendimentos do filósofo.

Numa sociedade cuja referência é a propaganda e a divulgação a qualquer preço de qualquer coisa ou pessoa, ser (quase) invisível pode ser pré-requisito para viabilizar sonhos, projetos, buscas existenciais. Distante do barulho das unanimidades e de um certo espírito de rebanho. E aí já se vão mais de 35.000 horas-sessão...    

Aquele abraço,

*hs

domingo, 17 de dezembro de 2023

Filosofia Clínica Agridoce 4*

A expressão “borogodó” foi o termo que encontrei, resultante das atividades da formação e atendimentos, para traduzir pré-juízos a uma candidatura ao ser filósofo clínico. Um conjunto de atributos que tem como ponto de partida: o talento, a sensibilidade e competência, dedicação aos estudos e a clínica pessoal. Esses aspectos, recheados de incompletude, oferecem uma fresta para as dialéticas do convívio e, talvez, um desenvolvimento ao ser terapeuta na nova abordagem.   

O dicionário comum fala em: “atração pessoal irresistível”, no entanto, essa definição pode servir para fins de relacionamentos afetivos, mas não para um papel existencial cuidador, que vai reivindicar, dentre outras coisas, uma distância aproximada com a retórica partilhante em clínica. 

Ter ou não ter um borogodó, é determinante para a atividade clínica do filósofo. Bem como para o partilhante que o encontra e, com ele, elabora um território para as construções compartilhadas que não alcançaria com outro profissional. 

A palavra borogodó é mais que uma palavra, como ensina Wittgenstein nas Investigações Filosóficas: “O significado de uma palavra é seu uso na linguagem.” (1996, pág. 38). Nesse sentido, é fundamento de uma clínica pessoal o autoconhecimento e a autodescoberta, um pouco antes ou concomitante aos estudos da teoria e práticas da formação.   

Aquele abraço,

*hs

sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Filosofia Clínica Agridoce 3*

Outro dia conheci um autor, desses - raros - que não fazem questão de notoriedade ou visibilidade, a não ser nas páginas de seus livros, onde oferece pistas sobre a pluralidade de eventos que o levaram a ser escritor.

Trata-se de Alberto Manguel, livreiro em Buenos Aires no tempo em que Jorge Luis Borges percorria as ruas da metrópole Argentina - em suas idas e vindas da Biblioteca Nacional - à procura de matéria-prima para sustentar seu vício predileto: a leitura. Nessas visitas e revisitas Borges encontra, na livraria onde Manguel trabalha, um amigo e um cúmplice da boa leitura. Este não poderia imaginar o que viria depois.

A relação se aprofunda e Manguel passa a frequentar a casa de Borges com regularidade. Trocam ideias sobre livros, autores, crítica literária, novidades no campo editorial. Depois disso, o jovem livreiro passa a cumprir um novo papel existencial para o amigo: agora como leitor.

Nessa época Borges já tinha perdido quase toda a visão, que lhe impedia de exercitar sua paixão dominante: a leitura e a escrita, para compor uma armadilha conceitual quase perfeita, ou seja, a retroalimentação de leitura-escrita-leitura, reféns da sua frequência - sem pressa - as bibliotecas.

Nesse convívio - com múltiplos agendamentos - onde o autor de “Ficções” desempenha um papel existencial íntimo de sua expressividade, se destaca a atividade de mentor para seu jovem amigo livreiro. Talvez Manguel, sem se dar conta na época, além de qualificar sua leitura, também ia desenvolvendo - pela via da interseção - uma série de competências para sua escrita. 

Hoje, radicado no interior da França, Manguel deixa vestígios de suas origens em sua obra, um desses lugares de onde retira a matéria-prima para sua habilidade e talento como escritor, possível homenagem ao velho professor de leitura e escritura: Jorge Luis Borges.

Aquele abraço, 

*hs

sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

Filosofia Clínica Agridoce 2*

 

Sartre escreveu: “quando alguém escolhe um conselheiro, delimita a natureza do conselho que irá receber”. Esse ponto se aproxima do fenômeno da interseção em Filosofia Clínica, ou seja, quando a pessoa escolhe um terapeuta para sua clínica, sob muitos aspectos, delimita o alcance e desdobramentos dessa atividade.

No caso do novo paradigma, sendo o partilhante sujeito de sua história, tem o direito, e em alguns casos o dever de não concordar com o tratamento que lhe é oferecido, sem ter que justificar ou submeter-se a figura de um determinado saber poder especialista.

Existe exceção a essa regra, devido a legislação nacional, a qual prevê, em seus códigos e normas, os casos para internação involuntária, como:  interesse familiar, social, econômico, ideológico, patrocinados pela indústria de psicofármacos, ignorância cultural, metodológica.

Nos últimos anos, se oferece no país algumas alternativas, como o hospital-dia, CAPS (centro de atenção psicossocial), propondo algum avanço na área, no entanto, além dos equívocos metodológicos, a palavra final ainda é da psiquiatria, sendo ela também refém dos estudos e pesquisas de orientação farmacológica.  

Nesse ponto ocorre, muitas vezes, uma confusão entre as atribuições de um poder de polícia e o asilo de alienados, onde as pessoas, por motivos diversos, são mantidas reféns de uma autoridade: delegado de polícia, poder judiciário, psiquiatria, interesse econômico (internação no hospício custa caro!).     

Num período triste e recente de nossa história (1930 a 1980), foi cunhada a expressão “trem de doido” no Brasil, para descrever um comboio que partia da Bahia/BA rumo a Barbacena/MG, arrecadando pessoas pelo caminho (prostitutas, alcoólatras, desafetos políticos...), destinadas a internação involuntária, tortura, submissão, cura psiquiátrica. A jornalista e escritora Daniela Arbex, em sua obra: “Holocausto brasileiro”. Editora Geração/SP. 2013, descreveu em suas páginas o horror dessas práticas.  

Nossa busca é aliada do sonho por melhores dias, onde se ofereçam lugares para práticas de acolhimento compreensivo e intervenções de acordo com a singularidade, com um mínimo de medicamentos (casos excepcionais e por tempo limitado), sob a coordenação de grupos inter e transdisciplinares, aptos a oferecer procedimentos adequados a cada pessoa.   

Aquele abraço,

*hs

quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Filosofia Clínica Agridoce 1***

 

                                      Viva a colônia brasileira?  

Você não vai aprender Filosofia Clínica lendo os clássicos ou acessando as publicações - muitas delas errôneas - da internet, espiando escritos e depoimentos de colegas, amigos, desafetos, menos ainda agregando fragmentos de uma abordagem em outra, acreditando serem complementares, não! São excludentes! Diálogo inter e transdisciplinar é uma coisa, outra bem diferente é querer entender a novidade em conluio com aquilo que já se tem.

Pra começa de conversa: a) após a graduação em Filosofia, vem os estudos da teoria (18/24 meses), b) depois a clínica pessoal (tempo subjetivo), c) aí a supervisão (no mínimo 2 anos), d) após vem a formação continuada (colóquios, seminários, encontros, grupos de estudo, publicações...), depois vida que segue. Lembrando o imprescindível borogodó... para não ficar refém daquilo que a medicina (do corpo) chama: “doença autoimune”.

Na mesma direção, para quem acreditava que o melhor vinha de outros lugares (um certo espírito colonial!), descartando a matéria-prima do Brasil, o novo paradigma da Filosofia Clínica é só uma dessas iniciativas que inaugura um novo capítulo, em busca de se viver e conviver melhor. Ela mesma, sob muitos aspectos, ainda incompreendida, talvez por não ser mais um modismo e atuar, quase sempre, na solidão compartilhada dos atendimentos.

Aquele abraço,

*hs

** A ideia com esses brevíssimos textos é alcançar matéria-prima crítica, analítica, reflexiva, aos estudos em Filosofia Clínica.   

terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Representação de Mundo e Singularidade*

O conceito de representação de mundo, nos termos de Schopenhauer, pode significar algo decisivo à qualidade da terapia, ou seja, através da movimentação pela espacialidade intelectiva, a reciprocidade pode significar uma via de acesso ao discurso partilhante: identificar suas origens estruturais, a matriz existencial de onde se originam e como foram constituindo suas verdades.

Sobre a atualização narrativa da clínica, é importante lembrar que alguns conteúdos da pessoa podem surpreender, intimidar, entusiasmar, alegrar e entristecer a ela mesma e ao seu entorno.

Em Rubem Alves: “(...) para uma lagarta não há nada mais lindo que as coisas que se assemelham a ela. No mundo das lagartas, até os deuses são lagartas. Mas as borboletas obviamente dirão: tolice...” (Lições de feitiçaria, 2003).  

Na perspectiva metodológica da Filosofia Clínica, é fundamental acessar, através da interseção, o universo da singularidade, oferecendo ao partilhante um acolhimento de acordo com sua narrativa em processo. Tendo como ponto de partida seu contexto de vida, o lugar onde sua historicidade foi se desenvolvendo, do nascimento até os dias atuais, é possível acessar seu território subjetivo.

Ao sintonizar sua expressividade e papel cuidador na frequência existencial da pessoa, o filósofo clínico torna possível uma proximidade com sua realidade em transformação.

Por outro lado, quando ocorre uma dessintonia nesse acesso ao sujeito, ou a interseção for dificultada por fatores como agendamentos familiares, mundo do trabalho, cultura, internação involuntária, a abordagem da Filosofia Clínica pode nada significar. Em outras palavras, isso ocorre quando o partilhante estiver tão ou mais discriminado do que o exílio manicomial, deixando de ser sujeito de sua condição em processo.

Rubem Alves diz assim: “(...) os poetas têm estado repetindo isso o tempo todo. Não é de espantar, portanto, que não sejam convidados para nossos jantares acadêmicos. Quando os poetas falam, os outros convivas pensam que eles estão bêbados” (Lições de feitiçaria, 2003).   

Talvez um dos maiores problemas do nosso tempo sejam os ruídos e as dificuldades da comunicação interpessoal. Uma pessoa diz uma coisa e a outra entende outra, não conseguindo se afastar de suas verdades subjetivas. Assim não se têm diálogos, mas monólogos, algumas vezes devaneios, distorções interpretativas, em qualquer de suas formas. Tudo isso estimulado pela avalanche de informação, a qual se traduz em desinformação.

É possível, num instante posterior, mesclar essas mensagens oferecidas pelo emissor (partilhante) com a perspectiva do receptor (filósofo clínico), no entanto, isso requer uma escuta atenta e minuciosa (treinamento) sobre os conteúdos e sentidos de sua fala, em busca de ajustar essa pronúncia a um entendimento compartilhável.

*Hélio Strassburger in “Filosofia Clínica – Anotações e reflexões de um consultório”. Ed. Sulina/Porto Alegre/RS. 2021.

**Instagram: @helio_strassburger

quinta-feira, 30 de novembro de 2023

Dialéticas do Inesperado*

 

“Já não é a sintaxe formal ou superficial que regula os equilíbrios da língua, porém uma sintaxe em devir, uma criação de sintaxe que faz nascer a língua estrangeira na língua, uma gramática do desequilíbrio”

                                                              Gilles Deleuze

O pátio do hospício é um desses lugares onde o extraordinário esboça preferências. Muros, paredes e vigias atualizam a contenção do corpo, para que a alma consiga refúgio em devaneios de transgressão. Institui arranjos de novidade na arte de existir sem razão.

Na invisibilidade dos deslocamentos o compartilhar nem sempre é possível. Talvez por isso, no sujeito delirante, a realidade apareça disfarçada de irrealidade. Na estrutura inquieta, onde as visões dialogam entre si, uma vida inteira pode ser insuficiente para alguma tradução.

A desarticulação das palavras se faz cúmplice ao pensar contraditório das in-completudes. Algo mais nos anúncios desses percursos da introspecção. Talvez alguma indicação à transgressão em torno das paredes do asilo. Mirante às perspectivas fantásticas da natureza humana encarcerada pelas grades da epistemologia da tradição. 

É de saber incerto o que leva as pessoas a buscar abrigo nas lonjuras incomunicáveis dentro de si mesmas. Acaso no território livre das abstrações, onde o aprisionamento nos rituais da normalidade pode se desfazer. Prosperar das diferenças entre a experiência sensível e seus paradoxos. Os segredos indescritíveis seguem à espera de exploradores.

Quiçá a vertigem possa anteceder essas aproximações com o inexplicável da pessoa internada. Enquanto isso, as incógnitas da loucura permanecem à margem, em refúgios de aparente sem sentido. A força narrativa dessas ilegibilidades desloca-se por universos de ambiguidade.

Deleuze refere: “(...) a interioridade não para de nos escavar a nós mesmos, de nos cindir a nós mesmos, de nos duplicar, ainda que nossa unidade permaneça”. (Crítica e clínica, 2004). Perspectiva delirante a denunciar pré-tensas realidades compartilhadas. Ponto de vista onde os consensos se veem ameaçados. 

Ao transgredir o embaçamento do visar normal, surgem outras derivações: uma poética dos milagres aprecia surgir como espetáculo, onde a pluralidade dos personagens exila, momentaneamente, o sujeito originário para descortinar seus outros.

Suspeitas de múltiplas origens procuram algum sentido ao não ser elaborado nas lógicas da esquiva. Diálogos com as formas do estranho descobrem inéditos percursos por trás dos velhos mapas. Os fenômenos integrantes da singularidade se anunciam nas tramas significantes dos relatos. Ao tentar entender a origem dessas viagens, um vislumbre cosmopolita aponta indícios de terra estrangeira.

A rede de saberes incompleta-se por todo lado. Em muitos casos, a estrutura caótica, por seu desvalorizada socialmente, institui novidades, mesmo quando socializa impressões de espectador numa cena que não lhe pertence. Nos convívios de marginalidade, a expressividade decadente denuncia esconderijos onde as palavras não conseguem chegar.

O sujeito subverte as tramas e desloca forças entremeios de certeza, vigilância e domesticação. Atribui-se raridade e funda algo mais, até então calado na estrutura inconformada ao olhar de multidão. Rituais incontáveis transgridem as antinomias de lucidez e submissão.

Um rastro de saber desarrazoado sugere outras lógicas aos traços de surrealidade. Matéria-prima em delírios de re-invenção, a descontinuar-se no vocabulário errante que se faz meio de apresentação, exploração e descoberta.

Em Félix Guattari: “Os lapsos, os atos falhos, os sintomas são como pássaros que batem com o bico na janela. Nas se trata de interpretá-los. Trata-se antes de detectar sua trajetória para ver se podem servir de indicadores de novos universos de referência suscetíveis de adquirirem uma consistência suficiente para revirar uma situação.” (Caosmose - Um novo paradigma estético, 2000). 

As falas da descontinuidade parecem preferir a instabilidade dos paradoxos, para vislumbrar as quimeras da insensatez. A improvável fala de aparente sem nexo qualifica interseção com o transbordar desses instantes de perdição e encontro. Insanidade ao olhar classificador do alienista. Estética provisória a se instaurar no início sem-fim das conversações com o exagero de si mesma. Ao ensimesmar-se a singularidade se desconcerta para ser exceção.

A farmácia interior também se qualifica nos ensaios do viajante. Distorção a perder de vista na relação com suas anterioridades. Fenômenos de extravagância ao compartilhar da terapia. Pessoas atormentadas por fantasmas indescritíveis podem enfraquecer seus temores e inseguranças, na compreensão desses vislumbres de razão alterada. Propõe compartilhar o depois de amanhã ainda inexplicável ao presente. A história reescrita faz surgir atributos de profecia, até então desconhecidos para si mesma.

Labirintos excepcionais denunciam outras verdades, entrevistas na realidade delirante. Inauditos discursos assopram sentidos divergentes aos ditos de euforia.

Jacques Derrida insinua: “Como o deserto e a cidade, a floresta, onde formigam os signos amedrontados, diz sem dúvida o não-lugar e a errância, a ausência de caminhos prescritos, a ereção solitária da raiz ofuscada, fora do alcance do sol, em direção a um céu que se esconde. Mas a floresta é também, além da rigidez das linhas, das árvores em que se agarram às letras enlouquecidas, a madeira que a incisão poética fere.”  (A escritura e a diferença, 2005).

O Filósofo Clínico se faz cúmplice, em seu papel existencial, na busca de um alívio compartilhado, para o alvoroço dessas reestreias do sujeito. Embora isso tudo reivindique nomes ou apelidos, quase sempre permanece como saber obtuso. Poéticas de interrogação alternam-se na obscuridade das lacunas.

Focos de miragem na investigação das impermanências. Mutante a surgir como fragilidade bem disfarçada aos diagnósticos de objeção. A trama significante escolhe o delírio exilado nas circunstâncias para se fazer ver. Inúmeras incógnitas aguardam tradução em seus esconderijos. Fonte se originalidades a permanecer dissonância. Talvez a vida normal seja sua ilusão mais bem acabada.

Nesses percursos pela desmedida dos segredos, as intencionalidades transitam entremeios de um pretérito-futuro. Embora o deslize do traço, muitos são os inéditos à deriva. Inacreditáveis sugestões no esboço das imperfeições.

*Hélio Strassburger in “Filosofia Clínica – Diálogos com a lógica dos excessos”. Ed. E-papers/RJ. 2009.

**Instagram: @helio_strassburger

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

A Formação do Filósofo Clínico*

A Filosofia Clínica possui características essenciais decorrentes da estruturação curricular e vivências no curso dos estudos e pesquisas, cumprindo papéis de ‘formação e especialização’. Fenômeno a desvendar talentos e propensões ao aluno em trajetória para o ser terapeuta. Descortinar singular em interseção através do processo em desenvolvimento às buscas do estudante.

A partir de alguns indícios em forma de padrão, inevitáveis reflexões vão surgindo. Apontamentos das percepções em aulas, clínicas didáticas e supervisão. Investigação crítica do processo de formação. Pretexto ao esboço compartilhado de algumas ideias. Elementos para qualificar aprendizagens ao exercício clínico. Atividade cúmplice com os sonhos e projetos de cada um na pós-graduação.

Um pré-requisito aos estudos é possuir um curso superior. Para ser filósofo clínico é imprescindível Filosofia. Eis aí uma referência inicial.

Como novo paradigma, a Filosofia Clínica experiencia perplexidades inevitáveis no contexto da história das terapias. Propõe ruptura e mudança ao apontar novos rumos. Um descortinar de horizontes, até então, tidos como inexistentes.

Eric Landowski refere: “(...) ao contrário do antropólogo, cujo procedimento parte do postulado de que os comportamentos dos grupos humanos, quaisquer que sejam eles - inclusive aqueles dos mais ‘selvagens’ – têm um sentido, ou, em outras palavras, obedecem a uma lógica própria que é possível descobrir e compreender, o senhor 'Todo Mundo', por sua vez, considera como adquirida a irracionalidade daqueles que pensam e agem em função de visões do mundo diferentes da sua.” (Presenças do outro, 2002).

Os pesquisadores em busca de fundamentações teórica e prática, para estudos em nova abordagem, deverão incluir, necessariamente, na sua bagagem de investigações, o convívio diário com a defesa intransigente da ciência normal. Anteriores estruturações ao redor de métodos consagrados. Muitas vezes até, tentando cooptar os novos modelos para as conformações já existentes.

As ideias e abordagens recém-descobertas não buscam justificar seus antecedentes. Apresentam-se como reflexão crítica e desconstrução. Oferecem opções ao apontar caminhos de contramão ou mão nenhuma. Propondo superação, revelam possibilidades até então desmerecidas como contradição insuperável. Uma fenomenologia em desdobramentos de originalidade descortina-se ao olhar do descobridor. Aprender com os livros e vivências constitui fundamento prático ao vir-a-ser cuidador.

Pensar em viver significa estar em conexão com o mundo real. Existência a elaborar singulares essências nas pessoas. Relação de sofisticada simplicidade na (re)invenção de cada dia. Os estudos realizados devem servir para oferecer escolhas ao estudante. Ponto de partida-chegada-partida para a matéria-prima do ser elaborar-se. Interseção afinada entre as abstrações e a vida empírica. Um referencial intuitivo-epistemológico para significar o existir.

Se as leituras se perderem na trama dos excessos conceituais, afastando a pessoa de uma ingênua sensibilidade, alma de artista, para com a alegria desses espantos diários, então é chegada a hora de fechar os livros. Ineficazes, a partir daí, para a lógica sem lógica dos cotidianos (re)começos. Muitos trazem consigo excesso de bagagem. Verdades bem arrumadas costumam não suportar os primeiros desafios da caminhada. Evidenciam problemáticas a serem trabalhadas nos encontros clínicos.

Elaborar o ser terapeuta pressupõe dedicação integral e permanente aos estudos. Uma relação afinada entre fundamentação teórica e fundamentação prática. A partir de onde as expressividades podem elaborar-se ao papel existencial de filósofo clínico.

Uma vocação autodidata é bem-vinda, assim como a produção de textos e artigos para compartilhar com colegas e professores. Percorrer clínicas, hospitais e manicômios em busca de aproximar o sonho da realização. Evidências de uma abertura interior na interseção com a vida.

A Filosofia Clínica costuma ser uma companheira ciumenta. Quer exclusividade e atenção por inteiro. Compartilhar seus estudos com a elaboração de dissertações e teses de mestrado e doutorado poderá dificultar significativamente o percurso do estudante.

O exercício de consultório se mostra como uma especialização em cada atendimento. Partindo de uma interseção em reciprocidade, a investigação dirige-se ao desconhecido das singularidades. Dedicando ao sujeito um compartilhar de alma leve para com suas autogenias.

Marie Beynon Ray escreve: “(...) ser a loucura não um episódio isolado numa vida, mas um modo de vida, que frequentemente vai desde o nascimento até a morte. Precisamos passar em revista toda a vida do doente, mesmo que se trate do ataque de uma doença infecciosa durante a infância.” (Médicos do espírito, 1965).  

A formação do filósofo clínico se inicia antes da especialização e prossegue bem depois da parte teórica. Circunstâncias únicas presentes na história de vida e estudos de graduação. Após a etapa teórica, os pré-estágios e a supervisão direcionam sua qualificação. Prosseguindo num contexto de formação continuada, os grupos de estudo se mostram eficazes. As publicações e demais espaços de interação e diálogo compõe um conjunto importante para melhorar ações clínicas.

As aulas são momentos insubstituíveis aos estudos. Possibilitam a diversidade investigativa e a troca. Olhar em perspectiva para a compreensão dos outros. Laboratório de convívio, crescimento e elaboração compartilhada ao vir-a-ser terapeuta. No entanto, as crises e obstáculos da formação parecem inevitáveis. Uma espécie de ensaio geral ao futuro exercício clínico do filósofo.  Atividade de cogestor nas crises e transformações partilhadas em consultório.

O momento de qualificação pessoal em pré-estágio constitui etapa indispensável à caminhada. Um tempo em que o estudante se experimenta conhecendo-se melhor. Transita por suas anterioridades. Investiga-se efetuando um trânsito por sua subjetividade. Qualifica-se nas clínicas didáticas. Busca familiarizar-se com sua estruturação quando em relação. Ponto de partida para aproximações em perspectiva com outros mundos.

Aprende-se com a escuta das falas e dos silêncios. Mediante olhares e percepções. Cheiros, temperos e sabores. Um indescritível que fica no ar. A energia de imprevisíveis mudanças. Uma relação em reciprocidade com as tormentas da alma. Feitiço em fase de crise na magia da terapia. Um ugar de colheita das matérias-primas para o exercício clínico do aprendiz de feiticeiro.

Jacob Bronowski ensina: “(...) o interessante é que se Erastus, com suas ideias sensatas, contrárias à mística, tivesse razão, a linguagem humana e toda comunicação entre os seres humanos, seria também impossível, porque, segundo ele, nada que sai de mim pode influenciar outra pessoa. No entanto, isso é exatamente o que faz o intercâmbio humano. O dom da imaginação é esse duplo movimento que manipula imagens na minha mente e as faz girar com uma espécie de força comunicativa que vai recriá-la na mente de outras pessoas; movimento que ocorre sempre que vemos uma obra de arte, lemos um poema ou falamos sobre um teorema.” (O olho visionário, 1978).    

Um pouco depois, a supervisão se oferece aos primeiros atendimentos. O aprendiz vai aprofundando leituras e práticas. Compartilhando dúvidas e inseguranças, fortalece e desenvolve suas expressividades e buscas. Nessa etapa já é terapeuta. A entrega do trabalho de conclusão é outro momento importante, onde as especialidades elaboram sua amarração teórica.  

Em Roberto DaMatta esse aspecto se destaca assim: “A importância do detalhe etnográfico, capaz de modificar todo um argumento verbalmente construído, e de descobrir como é fundamental o estudo consciente de certos problemas antropológicos. Descobri, então, que não bastava somente erudição (o fato de conhecer até a exaustão so autores e seus livros), mas que era preciso, antes de tudo, ‘saber’ a história do problema, como ele foi inventado como objeto de investigação, seus antecedentes e consequentes, o contexto do livro que expôs a teoria e seu autor.” (Relativizando – uma introdução á antropologia social, 2000).

Inexiste um mapa aos trajetos de crescimento pessoal em direção ao ser filósofo clínico. No entanto, algumas percepções constituem um padrão: não abreviar caminhadas, queimando etapas importantes como: leituras, aulas e estágios. Não desmerecer as crises de aprendizagem, uma companhia para a solidão compartilhada nos atendimentos. Alguns estudantes buscam através dos diplomas, registros e menções honrosas, uma autenticação para o ser terapeuta. Isso poderá valer tão pouco se a pessoa desmerecer suas circunstâncias de vida em interseção com o desenvolvimento do papel existencial. Os rituais de aprendizagem podem auxiliar. No entanto, parece inexistir legitimação longe dos singulares percursos de superação. Natureza dos talentos e aptidões em desdobrar-se no próprio sujeito.  

Tendo como ponto de partida as aulas, isso tudo prossegue bem depois do certificado “A”, através da formação continuada. Sem esquecer as pessoas! Essencial fonte de inspiração para a magia da vida acontecer.

*Hélio Strassburger in “Filosofia Clínica – poéticas da singularidade”. Ed. E-Papers/RJ, 2007.

**Instagram: @helio_strassburger  

sábado, 11 de novembro de 2023

As Linguagens da Terapia*

O espaço compartilhável da clínica aprecia se constituir num acordo de singularidades. Um desses lugares onde a interseção dos personagens pode acontecer. O veículo capaz de transcrever essa objetividade fugaz é a linguagem. As palavras, ainda quando silenciadas, convidam, pela atualização discursiva, a ingressar nos inéditos cenários.  

Uma pronúncia das vontades costuma elencar o mundo como representação da pessoa. As palavras escolhidas para dizer, pensar, imaginar, constituem um aprendizado fundamental à atividade clínica do Filósofo. A aventura pessoal descrita na história de vida se utiliza de códigos linguísticos próprios.

Esta página em branco, inicialmente, rascunha-se em borrões. Seu vocabulário vai fazendo sentido na continuidade dos encontros, qualificação da relação, aprendizado da nova língua. Os deslocamentos da introspecção, compartilhados na hora-sessão, convidam a reviver eventos pelo viés atual. No entanto, ainda assim, o interior das palavras aprecia guardar um murmúrio, jamais decifrável por inteiro.

Se fôssemos utilizar a lógica das figuras de linguagem para descrever a natureza desses apontamentos discursivos, teríamos múltiplas perífrases, antíteses, metáforas, eufemismos, instâncias por onde o Filósofo Clínico busca estabelecer uma relação clínica. No entanto, cabe lembrar que um termo substitutivo, uma metáfora, por exemplo, pode ser mais do que substituição, pode se tratar do universo inteiro da pessoa. O esboço da criatividade, quando encontra um território confiável para se ensaiar, aprecia as margens da norma socialmente aceita. Essa imaterialidade costuma ser apontada e compartilhada pelo construto linguístico de cada um.

O evento terapia estabelece um território, delimita códigos de acesso, reivindica um aprendizado na perspectiva Partilhante. Nesse contexto, a nova abordagem se utiliza da matéria-prima oferecida por sua trama discursiva. Ao ser possível uma clínica para cada pessoa, tendo como ponto de partida a narrativa (bem apontada) da história de vida e o vislumbre da estrutura de pensamento, é possível antever a condição humana refugiada nos desvãos do diagnóstico, das tipologias.

Assim é possível acolher e compreender o teor dos princípios de verdade. Ao Filósofo Clínico cabe encontrar o chão onde a pessoa se desloca existencialmente, onde exercita suas circunstâncias existenciais. Um ponto de partida para acessar o dialeto recém chegando. Os episódios significativos de cada sujeito utilizam a mesma fonte estrutural para se dizer.

Nesse sentido, os desdobramentos da atividade clínica, sua sustentação e qualificação, são reféns de uma correta leitura desse dicionário muito íntimo. O dado literal, ao proteger a versão da pessoa, também oferece a intencionalidade discursiva, os tópicos determinantes, o acesso à subjetividade.

É na linguagem compartilhada nas sessões que se faz possível um vislumbre do lugar de onde se diz o que se diz. Cada um, mesmo quando não saiba, exercita seu cotidiano num contexto único. Assim, um dos primeiros indícios de ressignificação pessoal, em clínica, é a mudança na escolha e uso das palavras.

Na sutileza da frase inacabada, é possível se anunciar um rascunho da estrutura de pensamento em movimento. O ponto de vista Partilhante, ao se deixar acessar pelos termos agendados, reivindica um leitor de raridades. O fenômeno terapia aproxima os papéis existenciais da clínica com a arqueologia. Sua estética cuidadora, a descobrir e proteger inéditos, mescla saberes para acolher as linguagens da singularidade.

*Hélio Strassburger in "A Palavra Fora de Si - Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem". Ed. Multifoco. RJ. 2017

**Instagran: @helio_strassburger 

quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Hermenêutica compreensiva*

Quando se pensa ou busca trabalhar com hermenêutica podem surgir várias dúvidas sobre o tema. Talvez a distinção mais significativa para a Filosofia Clínica esteja entre uma hermenêutica interpretativa e uma hermenêutica compreensiva.

De forma introdutória, a hermenêutica interpretativa (também usada nas abordagens tradicionais da terapia) foca na busca por entender a mensagem com base no que já se sabe sobre o tema. Tem como ponto de partida um saber-poder estabelecido por definições bem construídas, ajustadas e fundamentadas, com base na tradição. Trata-se de um saber cristalizado, que confere ao texto existencial diante de si uma classificação previamente analisada, definida. Características reconhecidas mesmo antes de um encontro se realizar, demonstrando que a expressão do sujeito, de antemão, já está determinada.

Em outras palavras, um fundamento estabelecido para reconhecer no paciente alguma patologia, tendo como referência uma lógica de manual, destituindo a pessoa de seu devir inédito, impregnado de possibilidades, e que poderia transgredir os limites de sua condição em desenvolvimento, não fossem as interpretações do profissional (via agendamentos, distorções).

Talvez, se fosse permitido ao paciente exercitar suas lógicas desconsideradas, cogitar suas hipóteses absurdas, numa interseção libertária, não permitindo ao profissional Psi convencê-lo de que suas verdades e representações constituem alguma forma de loucura, fosse possível uma aproximação com a Filosofia Clínica.

Nesse sentido esclarece Gadamer: “A compreensão jamais é um comportamento subjetivo frente a um objeto dado, mas frente à história efeitual, e isto significa, pertence ao ser daquilo que é compreendido” (Verdade e método, 1997).  

A hermenêutica filosófica, ao contrário, possui como característica uma atitude compreensiva em vias de construção compartilhada. Seu ponto de partida é uma dialética do encontro, uma relação aprendiz. Um saber que tem um não saber como ponto de partida. Aqui precisamos de uma adequação metodológica para fundamentar essa nova abordagem: a Filosofia Clínica. Interseção em que se reivindica, pelo filósofo, um constructo de eterno recomeço, para acolher as narrativas da raridade.

Ainda Gadamer: “Somente através do esquecimento é que o espírito recebe a possibilidade de uma total renovação, a capacidade de ver tudo com os olhos recém-abertos, de maneira que o que é velho e familiar se funde com as novidades que se veem em uma unidade de várias estratificações.” (Verdade e método, 1997).

Com esse novo paradigma, especialmente em alguns trabalhos posteriores aos escritos de Lúcio Packter, é possível encontrar subsídios teóricos e práticos a sua fundamentação e desenvolvimento, como uma terapia da liberdade. Como se sabe, essa nova abordagem, como obra aberta, permanece viva e sujeita a contribuições de quem faz dessa atividade uma prioridade de vida.

É o caso, por exemplo, da importância da hermenêutica compreensiva, como fundamento teórico e prático, especificamente a partir de Hans-George Gadamer em Verdade e método. Essa diferenciação ajuda a compreender a abertura para um acolhimento do fenômeno existencial diante do clínico.

Se um profissional (psiquiatra, psicólogo) aprendeu que a pessoa diante de si é um objeto de estudo sujeito a intervenções, um ser passível de avaliação diagnóstica, prognóstica, de medicalização, então será isso que sua percepção, previamente condicionada, vai enxergar. As pessoas não vão se mostrar, a esse olhar, como algo único, uma singularidade, mas como uma tipologia ou doença, algo a ser medicado, contido pela lógica do hospício e dos psicofármacos. Questão de método em Ciências Humanas!

Gadamer ensina: cautela, respeito, proximidade para com a condição existencial alheia ao mundo como vontade e representação do filósofo. Apresenta a hermenêutica filosófica como possibilidade de se conhecer determinada pessoa em seus dias de ressignificação. Uma atitude compreensiva é qualitativamente diferente do enquadramento tipológico, sendo este a instituição de uma clausura, de uma camisa de força metodológica, que transforma uma pessoa livre e em processo de mudança num objeto, em uma peça decorativa no canto da sala.

Compreender significa estar junto, ao lado, encolher distâncias, aproximar. Entender (epistemologicamente) inclui um distanciamento, uma trama conceitual que se afasta da originalidade do partilhante, como se ele fosse o portador de uma doença contagiosa, e isso deforma sua expressividade, cria obstáculos para acessar sua originalidade. Trata-se de uma relação fria e asséptica.

Anteriormente, em Filosofia Clínica, tínhamos o texto ‘Verdade e método’, de Gadamer, para fundamentar as verdades subjetivas (pré-juízos), como se estruturam, se desenvolvem, se sustentam, delimitando o lugar subjetivo.

No entanto, aqui estamos avançando em direção a outro aspecto desta obra, ou seja, a uma hermenêutica filosófica capaz de efetivar atitudes compreensivas, de estar com o outro em seus desdobramentos existenciais, qualificando as convivências clínicas como instantes de desconstrução, reconstrução, a partir das conjugações e demais possibilidades da terapia.  

Não tomar o seu lugar, mas estar junto, na desmedida em que o partilhante permita visitas ao seu jardim existencial. Aprender a linguagem por onde se diz, seus limites e deslimites, o alcance de sua régua existencial, e tudo que for aparecendo (fenomenologicamente) na dialética dos encontros.

*Hélio Strassburger in “Filosofia Clínica – Anotações e reflexões de um consultório”. Ed. Sulina/Porto Alegre/RS. 2021.

**Instagram: @helio_strassburger

sábado, 21 de outubro de 2023

O segredo das palavras*

A espécie de texto que se tem em mente é uma singularidade. Sua estrutura pressupõe a conjugação, nem sempre linear, entre o horizonte discursivo do autor e sua competência em transgredir as páginas conhecidas. Um peregrino das palavras em busca da fonte onde nascem as intencionalidades. 

Com o vocabulário comum, em alguns casos, será possível realizar aproximações, noutros sequer tangenciar as origens da expressividade: os exílios, desvãos, periferias e derivações. Ao transcrever esses conteúdos, na parcialidade de um texto qualquer, é possível entender a razão dos seus segredos serem indecifráveis por inteiro.

Num processo de escritura, sua concepção descreve algo mais, tendo como ponto de partida uma mente repleta de vírgulas, devaneios criativos, irreflexões. Esses escritos nem sempre serão compreendidos numa só mirada. Seus deslizes, lacunas e desestruturas anunciam algo por vir. São vestígios daquilo que não se consegue acessar num primeiro instante. Uma estrutura assim pensada mescla sonho e realidade em inéditos discursos existenciais. Há que se ter uma peculiaridade metodológica - borogodó - para decifrar o chão de onde partiu e se desenvolveu.

Maurice Blanchot contribui: “(...) Uma frase não se contenta com desenrolar-se de maneira linear; ela se abre; por essa abertura, sobrepõem-se, soltam-se, afastam-se e juntam-se em diferentes níveis de profundidade, outros movimentos de frases (...)”. (O livro por vir, 2005, pág. 347).

Essa condição do autor pode reapresentar eventos marginais, desconhecidos, esquecidos, em sua estrutura de pensamento. Os inusitados usos da palavra ampliam as fronteiras do que se conhece. Uma expressão utilizada num contexto, quando afastada de suas origens, ao ser ela mesma já é outra.

Escrever é conjurar o vocabulário conhecido noutras direções. Um saber com sabor de terra nova acolhe a mensagem nas garrafas do náufrago. Sua condição, ao ampliar um foco de luz errante, emancipa territórios, significa a linguagem dos recomeços. Sua alternância dos métodos de leitura (analítica, fenomenológica, dialética...), evidencia um conhecimento refém de suas crenças, atribuições, competências. Assim pode ser legível esse lugar de exceção de onde o texto partiu.

Maurice Blanchot: “(...) A obra exige que o homem que escreve se sacrifique por ela, se torne outro, se torne não um outro com relação ao vivente que ele era, o escritor com seus deveres, suas satisfações e seus interesses, mas que se torne ninguém, o lugar vazio e animado onde ressoa o apelo da obra.” (O livro por vir, 2005, pág. 316).

O segredo das palavras reside na rasura da página em branco. Quando algo se escreve, atualiza o devir que o legitima, para, logo depois, perseguir novos caminhos. Assim, a perspectiva da literalidade como sentido único, se desconstrói. Seu saber conjuga-se em enredos de realidade substitutiva.

Nesse sentido, os deuses da escritura costumam ser cúmplices no desenvolvimento do espírito. Os achados nas mais diversas fontes de inspiração e estilos literários, costumam adicionar ingredientes à vida de cada um. A paixão dominante de ler e escrever alimenta o fogo dos dias, aquece o frio das alturas, desaloja refúgios subjetivos. As rotas para esse encontro, desconstroem a figura do escritor e do leitor exilados em suas páginas. 

*Hélio Strassburger in “Filosofia Clínica e Literatura – Conversações”. Ed. Sulina. Porto Alegre/RS. 2023.

**Instagram: @helio_strassburger 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

A Filosofia Clínica e o robô de escuta*

O site: www.mittechreview.com.br publicou em janeiro/2022: “Terapeutas podem usar Inteligência Artificial para melhorar os resultados das terapias”. O artigo foi assinado pelo: MIT- technology review.

Inicialmente a proposta é de auxílio ao trabalho clínico do profissional da área PSI. Trata-se de uma pesquisa para saber como a terapia funciona. Uma verificação das linguagens utilizadas na hora clínica. Segundo o artigo: “busca identificar as expressões e devolutivas de resposta mais eficazes no tratamento de diferentes distúrbios”. Oferece uma “automação dos princípios ativos da terapia”.

O projeto se desenvolve em universidades como: Washington e Pensilvânia (EUA), numa parceria da IA – inteligência artificial com a psicologia. Diz assim: “Busca-se desvendar os segredos de porque alguns terapeutas obtêm melhores resultados que outros (...) a tecnologia funciona semelhante a um algoritmo de análise de sentimentos”.

Prossegue afirmando: “a IA converte a linguagem de uma sessão em código de barras (...) busca mostrar quanto tempo foi gasto em terapia construtiva versus bate-papo geral.” Na sequência: “(...) desenvolver um software de terapia para ajudar terapeutas a padronizar as melhores práticas. Propõe monitorar os atendimentos. (...) o algoritmo aprendeu a abordagem da TCC (terapia cognitivo comportamental)”. O artigo fala em: “proporções, taxas, métricas, validação... (...)” indica: “devemos seguir protocolos para evitar improvisos. (...) podemos entrar numa era de medicina de precisão em psicologia e psiquiatria (...)”. A investigação deixa escapar - nas entrelinhas - que as terapias da tradição estão despreparadas para cuidar da vida humana.

A ideia não é nova. Em meados dos anos 1990, em Porto Alegre, um mestrando em análise de sistemas ofereceu algo semelhante. Seu software prometia “diminuir o tempo gasto nos atendimentos”. Segundo ele: “aliviaria o trabalho” dos Filósofos Clínicos. Após algumas entrevistas, o jovem profissional entendeu que nosso método era diferente. Ficou contrariado pelo fato de sua ideia não dar conta da Filosofia Clínica, basicamente, por se tratar de uma abordagem singular, oferecendo uma terapia para cada pessoa, sem a camisa de força das tipologias, classificações, hermenêuticas apriorísticas.  

Nos dias de hoje, ao ver essa hipótese - em nova maquiagem - se reapresentando, com o enorme investimento para viabilizá-la, percebo - mais uma vez - o quanto a Filosofia Clínica é diferenciada. Sob muitos aspectos ininteligível - mesmo a espionagem tecnológica - ao pessoal que procura em blogs, textos da internet, palestras, subsídios para montar suas estratégias. Por outro lado, a partir de uma robotização da hora-clínica, essa iniciativa deverá acelerar a desconstrução das metodologias de base PSI. 

Um olhar atento pode pensar: como replicar eventos singulares, incomuns, como os desdobramentos da hora-sessão em Filosofia Clínica numa linguagem de algoritmos? A nova abordagem terapêutica, ao atuar com pressupostos a posteriori, reivindica um profissional que tenha borogodó (mescla de aptidão, talento, sensibilidade...) para exercitar uma clínica aprendiz. Esse conceito por si só, já interdita a possibilidade de se mapear, criar protocolos, estatísticas, métricas de validação, devido ao caráter inédito dos atendimentos.

O novo paradigma oferece múltiplos fatores que escapam a uma lógica de robôs de conversa. Seu constructo metodológico oferece atenção e cuidados singularizados aos partilhantes, encontrando em seu próprio discurso existencial, uma referência viva, única, irrepetível. Não se presta a ser refém de softwares, algoritmos, código de barras. A pesquisa americana, ao buscar um padrão nas melhores técnicas, engessa e robotiza o cuidado com humanos. Talvez essa proposta sirva a países de vocação colonial.  

A transcrição da linguagem utilizada pelo filósofo clínico com um partilhante, não irá servir para outro atendimento, pois além de cada pessoa ter um uso próprio do seu vocabulário, a qualidade da interseção não é a mesma, e o filósofo efetua ajustes singularizados de acordo com os desdobramentos da hora-sessão. Um software não consegue imitar essa modalidade terapêutica, pois teria de ser um humano com borogodó para intervir em um processo não linear.

Essa tese de padronização comportamental através de um código de barras, para acompanhar sujeitos em seus momentos de ressignificação existencial, além de desumana e perversa, visa a manipulação e o controle da vida humana. Sob muitos aspectos, expõe a fragilidade das técnicas de base PSI.

Noutras palavras, a partir dessa estratégia denominada: “robô de conversa”, as metodologias que trabalham com a bíblia DSM serão reféns da IA e sua programação para mediar atendimentos. A pesquisa americana deverá mostrar, após alguns anos ‘faturando alto’ com suas engenhocas, se tratar de mais uma investida para ‘ganhar tempo e dinheiro’, multiplicando espíritos de rebanho. No caso de bem-sucedida poderá ser o fim da raça humana como espécie.

*Hélio Strassburger

@helio_strassburger (Instagram)

**Texto publicado na edição de outono da revista da Casa da Filosofia Clínica.