"Também a ciência, chegando
ao fim de seus paradoxos, deixa de propor e se detém para contemplar e desenhar
a paisagem sempre virgem dos fenômenos. O coração aprende assim que a emoção
que nos transporta até as diferentes facetas do mundo não nos vem de sua
profundidade, mas de sua diversidade.”
Albert Camus
Uma arqueologia atualiza-se em
descobertas de múltiplas faces. Indeterminados fenômenos no lugar qualquer de
todo lugar. Exceção de natureza imprevisível, se faz dissonância na concepção
de outras regras. Decifrar das expressividades na superação ilimitada aos novos
territórios. Vastas regiões no exílio sagrado das lógicas da singularidade.
Heterogêneas formas na superação
do espírito de multidão. O devir dos contextos impulsiona, para além da mimese cristalizada
dos hábitos, múltiplas estranhezas em contrassenso com o ser normal. Códigos de
imprecisão excedem os momentos de crise. Reapresentação das originalidades ao
olhar de espanto das incertezas.
Especulação na margem
imprevisível dos mundos por descobrir. Antítese das travessias entremeios de
aparente sem direção. Essência irrefletida numa fonte inesgotável de cores,
sons, aromas e sabores. Um vir-a-ser ensaia discursos nas autonomias da
exceção. Descontinuidade em atalhos para além do princípio de realidade.
Eric Landowski diz: “(...) ser
um percurso estranho e ao mesmo tempo perfeitamente lógico: vindos de longe,
eles escolheram permanecer integralmente eles mesmos, entre nós: programa de
camaleão; e se por isso eles se instalam exatamente no centro, é porque esse
lugar, por oposição a todos os outros, não é verdadeiramente daqui: tática do
urso, que sabe que seu refúgio mais seguro para ser livremente o que ele é se
encontra algumas vezes no coração da multidão, no centro cego do sistema.” (Presenças
do outro, 2002).
A forma de pensar das lógicas da
uniformidade, um pouco antes de preservar as raridades, a destroem. Ameaça
permanente com abismos de caráter intransponível. Estreitar dos horizontes da
criação na alienação de viver sem ânimos de contradição. A partir daí,
tratamentos (família, escola, igrejas...) para normalizar-classificando,
demarcam até onde o fora de série poderá ir, sem rasurar os moldes.
A diversidade capaz de emancipar
a vida diverte-se na desarmonia com as lógicas da tradição. Distanciar eficaz
das estéticas da imprecisão. Conjecturas de difícil tradução escolhem um tempo
qualquer, para significar-se em caminhos outros. Internação das possibilidades
por não se fazer entender. Buscas na sintaxe do acolhimento para modificar
tramas, cada vez mais, em rota de colisão com os desvios da singularidade.
Remo Bodei desconstitui as rotas
de tranquilidade: “Por isso, somente os artistas mais sublimes foram capazes
de explorar tais áreas de extremo perigo e retornar para descrevê-las e
exprimi-las para proveito de todos: Dante, Michelangelo, Shakespeare, Mozart,
Goethe... A arte mais sublime encontra o seu terreno mais fértil na proximidade
dos abismos.” (As formas da beleza, 2005).
Uma autopoiésis insinua-se
em signos de inconformidade. Derivação no caleidoscópio multicor dos dialetos.
Descontinuidade dos trajetos na (re)invenção para si. Uma genealogia em ficções
de pluralidade escolhe-se na articulação simbólica dos hermetismos. Refúgio
distante na desconformidade com a rigidez das correções. A introspecção é capaz
de qualificar desacordos com as regras de ser habitual.
As lógicas do ‘para sempre’,
tentam delimitar as fronteiras do possível. Contradição com as percepções da
diferença. Aptidão divergente no pensar transformador a estabelecer combinações
de caráter incrível, na manifestação a ultrapassar impróprios limites.
Na insuficiência semiótica, uma
convenção de pretensão definitiva, não consegue incluir o admirável extrapolar
das fachadas. Uma assimetria revela-se na distância aproximada de um talvez.
Espécie de viver mambembe no devir exótico dos contrastes. Extraordinários
trajetos na incerteza das margens. Instabilidade dos ensaios a constituir
outras vias ao ser normal.
Para Nietzsche: “(...) entre
as coisas que podem levar um pensador ao desespero está o conhecimento de que o
ilógico é necessário para o homem e de que do ilógico nasce muito de bom. Ele
está tão firmemente implantado nas paixões, na linguagem, na religião e, e,
geral, em tudo aquilo que empresta valor à vida, que não se pode extraí-lo sem
com isso danificar irremediavelmente essas belas coisas.” (Humano demasiado
humano, 1987).
Procura no processo de
entendimento com as expressividades do cuidado e da atenção. Estranho logos num
projeto de autenticidade transformadora, desafiando olhares com a ilusão de ser
real. Espécie incompreendida a constituir-se nos rituais de metamorfose. Ânimos
de caráter marginal na polivalência a desestabilizar vontades, a partir de
então, insubmissa epistemologia para com as coisas da tradição.
O ir e vir das interseções
aprecia roteiros para a desconstrução das antinomias da inflexibilidade.
Imprecisão contraditória em trânsitos pela subjetividade outra, que não àquela
velha conhecida. Ponto de partida aos simulacros de universalidade, a partir de
então, sem forças para resistir às divergências de crescente autonomia. Um
pensar reflexivo-transformador propõe múltiplas versões. Irreconhecíveis
anterioridades possuem força narrativa através das incredulidades. Os disfarces
e a maquiagem excessiva vão sendo abandonados, em caóticas preliminares ao
(re)significar-se.
Transgressões na fantástica
desordem das estruturas de ser bem-comportado. Ponto de vista onde a
camisa-de-força da normalidade não se atreve pisar. Ocasião para o não-dito
eficaz dos silêncios. Superação na contravenção sem hora marcada com o viver
igual. As estéticas do (ir)racional ultrapassam as crises. (Re) significar
intuitivo dos instantes, na associação desarticulada com as tendências da classificação.
Maurice Blanchot convida a
pensar: “Qual é esse projeto secreto, inacessível e inexistente cuja pressão
constante se exerce, de fato, sobre os homens, e particularmente sobre os
homens problemáticos, os criadores, os intelectuais, que estão a cada instante,
como que disponíveis e perigosamente novos? A ideia de uma vocação (de uma
fidelidade) é a mais perversa das que podem perturbar um artista livre.” (O livro por vir, 2005).
Para além das lógicas da correção
e da permanência, múltiplos enredos inquietam-se na relação inconformada com a
alienação de ser objeto. Devir constitutivo através das insignificâncias do
acaso. Manifestação descontínua a desvendar um não-sei-o-que imprevisível. A
partir de então, uma impressão estranha a denunciar verdades no lugar sagrado
do ser incompreendido. Exploração interdita na leitura conformadora das
patologias da classificação.
Para não fazer diferença,
inúmeras interdições tratam de classificar e prescrever suas drogas. Ponto de
partida às metamorfoses da intencionalidade. Vias de acesso a ultrapassar
interdições. Quiçá a desrazão possa realizar um contraponto eficaz com as rotas
conhecidas.
Palavras de aparente sem nexo
aguardam escutas de compreensão. Ânimos de interseção com as disritmias e contrassensos
de exagero. Ocasião para a doxa inventar-se em rituais de
experimentação. Diferença recém-descoberta nos itinerários pelo avesso se ser
único. Originária articulação das vontades escolhe revelar-se na simultaneidade
dos desajustes. Flagrante contradição no fora de foco dos instantes, onde as
provisórias convicções esboçam suas buscas.
Em Lévi-Strauss: “(...) essa
lógica trabalha um pouco à maneira do caleidoscópio, instrumento que também
contém sobras e pedaços por meio dos quais se realizam arranjos estruturais. Os
fragmentos são obtidos num processo de quebra e destruição, em si mesmo
contingente, mas sob a condição de que seus produtos ofereçam entre si certas
homologias: de tamanho, de vivacidade de cor, de transparência.” (O
pensamento selvagem, 2007).
A diferença pode implicar numa
desconexão com anteriores disposições. Desconstrução nem sempre explicável nos
paradoxos com as fórmulas prontas. Originalidades desmerecidas em argumentos de
ser impossível. As lógicas da diferença, propõe outros contextos, até então
impensáveis, não fora o simulacro das insanidades.
Desestabilizar das precárias
certezas, antevendo elaborações de autonomia. Improváveis devaneios no pensar
instável em transição pelos recomeços. Miragens de um saber, a insinuar-se na
contradição dos estruturados raciocínios. Versões incomparáveis, na ruptura dos
consensos.
*Hélio Strassburger in “Filosofia
Clínica – Poéticas da singularidade”. Ed. E-Papers/RJ. 2007.
**Instagram: @helio_strassburger