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terça-feira, 25 de julho de 2023

Papel existencial cuidador*

Um aspecto significativo do papel existencial cuidador, ao acolher o partilhante, diz respeito ao padrão autogênico em que esse se encontra, ou seja, qual a língua por onde se expressa, sua semiose preferencial, seus deslocamentos internos, sua circunstância pessoal.

A observação cuidadosa dessa referência inicial costuma conceder, ao filósofo clínico, uma via de acesso aos ingredientes subjetivos, para que ele possa elaborar os exames categoriais e constituir a base da terapia. Nessa prática aprendiz destacam-se os termos agendados no intelecto, a estruturação de raciocínio, o discurso completo ou incompleto, a semiose, a interseção; assim é possível acessar indícios preliminares da malha intelectiva do partilhante, em busca de qualificar a compreensão das suas narrativas.

Fernando Pessoa diz assim: “(...) ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala. (...) os gênios inovadores foram sempre, quando não tratados como doidos (Verlaine, Mallarmé), tratados como parvos (Wordsworth, Keats, Rossetti) ou como, além de parvos, inimigos da pátria, da religião e da moralidade como aconteceu com Antero de Quental.” (Alguma Prosa, 1990).  

Estabelecer contato com outra pessoa em clínica reivindica um pressuposto fundamental: a competência do filósofo em realizar uma recíproca de inversão de qualidade, ou seja, visitar o mundo do partilhante com um misto de redução fenomenológica, de analítica da linguagem, de hermenêutica compreensiva, de epistemologia, do papel existencial, comprometido com a aprendizagem dessa singularidade se apresentando numa versão singular.

Veja-se o caso dos hospitais psiquiátricos, onde a regra é a internação e medicação de pessoas, por não conseguirem se fazer entender ao olhar desprovido de método para acolher suas crises de ressignificação. Assim se apresenta uma lacuna na formação psiquiátrica, em que os alunos são ensinados a reverenciar o deus farmácia, apresentado com pompa e circunstância como o recurso dos recursos.

Nesses casos existe uma incapacidade familiar, de amigos e médicos de compreender os deslocamentos que a pessoa vivencia, muitas vezes modificando a forma e o conteúdo de sua expressividade, com desdobramentos incompreendidos em seu cotidiano. Questão de método!

Fernando Pessoa contribui: “Como pode uma época compreender ou apreciar aquilo que, por definição, a supera?” (Alguma Prosa, 1990).

Sob muitos aspectos essas lógicas propõem tratar e normalizar o desconhecido, reafirmando a manutenção de suas referências. Nesse sentido, tudo aquilo que se apresenta numa língua diferente costuma ser desmerecido ou catalogado em alguma patologia. Aqui se oferece, como contraveneno, uma hermenêutica filosófica, por onde o filósofo clínico apresenta critérios para compreender o outro, a partir de seu jardim existencial.

*Hélio Strassburger in “Filosofia Clínica – Anotações e reflexões de um consultório”. Ed. Sulina/Porto Alegre/RS. 2021.  

**Instagram: @helio_strassburger

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