Quem sou eu

Minha foto
Porto Alegre, RS, Brazil
Você está no espaço Descrituras. Aqui encontrará alguns textos publicados, inéditos e outros esboços de minha autoria. Tratam-se de manuscritos para estudo e pesquisa. Desejo boas leituras.

historicidade das publicações

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Mozarts e Saliéris*

 

Existe um tema quase invisível, talvez por seu teor ideológico: o convívio professor-aluno (destaque), sobre o qual ofereço algumas reflexões.  

Numa relação conturbada, muitos mestres, no convívio com seus alunos de maior competência, buscam desmerecê-los. Em uma sucessão de atitudes contraditórias: algumas vezes hostis, outras elogiosas, propõe alijar o aluno de algo que lhe pertence.

O crime deste? Ter habilidades e talentos singulares na disciplina do professor, muitas vezes até ultrapassando os limites dos seus ensinamentos.

A história nos ajuda a recordar o teor clássico do tema. Na premiada peça de teatro Amadeus de Peter Shaffer (1979), inspiradora do filme Amadeus de Milos Forman (1984), ganhador de vários prêmios, vê-se retratado um período da vida e a convivência de Antonio Saliéri e Wolfgang Amadeus Mozart.

No filme, aparece um Saliéri, compositor italiano integrante da corte de José II da Áustria, retratado como um mestre competente. Professor de gênios como: Beethoven, Hummel, Liszt, Schubert. No entanto, existe ao menos uma coincidência nas versões do teatro e cinema: ambos revelam um professor Saliéri ressentido pela obra de Mozart. Um homem ao mesmo tempo invejoso e apreciador de sua genialidade.

O roteiro faz referência ao Saliéri copista de Mozart, algo que conseguia com escasso sucesso. Mozart parecia despreocupar-se com a triste, sorrateira e decadente figura de seu mestre, o qual vivia à sua sombra, como um arremedo das obras daquele. Há notícias de que Saliéri teria envenenado Mozart.

Nos dias de hoje, o fenômeno se repete em muitas escolas, faculdades, institutos, onde professores, ao constatar o aparecimento de algum virtuose em sua área, tratam sutilmente de sufocá-lo, desviar seus interesses à guisa de orientação, sujeitá-lo aos objetivos da instituição a qual representa ou usar o trabalho do ex-aluno sem qualquer menção às fontes.

Até quando faz algum elogio, o professor deixar entrever, a quem tiver olhos para enxergar, sua mágoa a transbordar nas entrelinhas, o sorriso torcido, as palavras escolhidas para colocar o desafeto no padrão dos seus horizontes. Nesse sentido, a adição de pequenas maldades em meio a uma conversa ou a humilhação em reuniões particularíssimas, longe dos holofotes e sem testemunhas, tende a funcionar.  

Esse antagonismo costuma ter origem num cotidiano de interseção mista, onde amor-ódio-inveja se mesclam. O mestre, ao nutrir sentimentos de menos valia em relação ao extraordinário pupilo, passa a escamotear mágoas e ressentimentos com falsos elogios, os quais deixam entrever ao olhar apurado, seus dissabores.

Na contramão dessas evidências, existe o educador inspirado em seu papel existencial. Numa atitude de ensinar compartilhado, socializa ensaios, descobertas, realiza-se numa arte pedagógica em busca de superação e êxito de seus alunos.  

*Hélio Strassburger in “A Palavra Fora de Si – Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem”. Ed. Multifoco/RJ. 2017.

Instagram: @helio_strassburger

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.