Sintonia existencial e novos paradigmas
Existem tantos modelos de terapia
quantas são as pessoas em busca de um ponto de apoio para suas questões
existenciais. Com isso é possível entender sua diversidade: xamanismos, exorcismos,
aconselhamentos, danças de cura, chás milagrosos, confessionários religiosos,
psicanálises, psicologias, psiquiatrias, filosofias clínicas, e tantos outros
rituais como proposta ao entendimento e cuidado do fenômeno humano.
Acredito que as abordagens
terapêuticas, quando ofereçam um acolhimento e bem-estar aos seus integrantes,
tenham a ver com a sintonia existencial (autogenia) dos envolvidos. Ressalvadas as influências do marketing, jogo de cena.
Nos dias de hoje, impulsionados
pela ideologia da propaganda (filmes, teatro, palestras, redes sociais, cursos acadêmicos,
artigos de jornal, entrevistas, publicações) a liderança parece estar com a Psiquiatria,
Psicanálise, Psicologia, em suas diferentes formas de apresentação. A repetição
- via agendamento - desses modelos de intervenção nas mídias, reafirma a ideia
(equivocada) de que essas metodologias detém a melhor resposta à crise
existencial de todo mundo.
O esboço de uma nova abordagem
terapêutica, conhecida como Filosofia Clínica, desde os anos 1990, iniciada com
o trabalho e a pesquisa do filósofo gaúcho Lúcio Packter, vem contemplando uma
fatia de pessoas diferenciadas, as quais encontram na nova abordagem um
acolhimento compreensivo que suspeitavam existir, mas não sabiam onde
encontrar.
Um dos aspectos dessa nova concepção
clínica, é a ideia de indeterminação (Werner Heisenberg), que se oferece em
contraponto as generalizações e classificações das metodologias clássicas.
Fritjof Capra ensina: “O grande
feito de Heisenberg foi expressar essas limitações dos conceitos clássicos de
uma forma matematicamente precisa – que hoje leva seu nome e é conhecida como
princípio de indeterminação. (...) O princípio de indeterminação mede o grau em
que o cientista influencia as propriedades dos objetos observados pelo próprio
processo de mensuração.” (Sabedoria incomum, 1988. Pág. 15).
Esse pressuposto ajuda a entender
o fundamento da singularidade com o qual a Filosofia Clínica trabalha, ao
distanciar-se das abordagens de base DSM, suas tipologias e classificações a
priori.
A contradição e o distanciamento não
param por aí!
Os fundamentos do novo paradigma,
encontram seus subsídios na Filosofia, como: fenomenologia (Merleau-Ponty),
analítica da linguagem (Wittgenstein), hermenêutica compreensiva (Gadamer),
representação de mundo (Schopenhauer), dentre outros, em íntima conversação com
as práticas de consultório (hoje já são 30 anos, desde os primeiros
atendimentos e turmas da formação clínica).
A nova abordagem da Filosofia
Clínica encontra seu chão numa convergência de momentos diferenciados na
terapia. Tendo como ponto de partida os exames categoriais, a estrutura de
pensamento e submodos, a qualidade da interseção entre o filósofo clínico e seu
partilhante, é possível encontrar um caminho para qualificar o alcance das
construções compartilhas na hora-sessão.
Em Capra: “Bateson costumava
enfatizar que para descrevermos a natureza com precisão deveríamos tentar falar
a língua da natureza.” (Sabedoria incomum, 1988. Pág. 64).
O filósofo terapeuta,
inicialmente, ao acolher seu partilhante, cuida de sua própria estrutura de
pensamento em interseção, para interferir minimamente (redução fenomenológica)
na expressividade do outro sob seus cuidados. Depois disso atua para compreender
sua linguagem em modo próprio (singular), em visitas autorizadas ao seu jardim
subjetivo.
A busca por reconhecer o uso que o
partilhante faz das palavras, seu sentido e direção, o contexto onde se
desenvolvem, bem como a identificação da relação tópica estrutural determinante,
vai concedendo ao filósofo clínico um constructo de matéria-prima para qualificar
sua atividade. Nessa direção, será possível encontrar os procedimentos
específicos para um partilhante, os quais, elaborados para uma determinada
circunstância clínica, não poderão ser utilizados com outra pessoa.
Fritjof Capra contribui:
“Heisenberg mostrou que um elétron, por exemplo, pode surgir como uma partícula
ou como uma onda, dependendo de como o observamos. Se fizermos ao elétron uma
pergunta no plano das partículas, ele nos dará uma resposta no plano das
partículas; se lhe perguntarmos algo no plano das ondas, ele nos responderá no
plano das ondas.” (Sabedoria Incomum, 1988. Pág. 116).
Talvez essa informação contribua
com a razão de se ter tantas terapias quantas sejam as pessoas, uma vez que a
sintonia existencial de cada uma é singular. Sob muitos aspectos, refém de sua
circunstância de vida, suas relações, o período histórico, as ideias, normas e
leis de seu cotidiano, as verdades hegemônicas ao seu redor.
Assim, cabe ao filósofo clínico
distanciar-se desse espírito de rebanho, num acolhimento aprendiz com a pessoa
sob seus cuidados - caso a caso - para decifrar seu padrão autogênico, as alternativas
que sua estrutura de pensamento oferece. Nesse sentido, cada um, de acordo com
suas possibilidades, vai encontrando (na vida) um caminho para algo que lhe
represente, onde sua expressividade não seja tratada como doença ou anomalia.
Aquele abraço!
*hs