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quarta-feira, 3 de abril de 2024

Filosofia Clínica Agridoce 30*

 

                  Quem interna quem? O último apaga a luz, por favor!

A obra: Escritos de Antonin Artaud, publicada pela editora LPM de Porto Alegre/RS em 2019, com organização, tradução e notas de Claudio Willer, oferece recortes de uma hermenêutica compreensiva, sob a ótica de um pensador singular.

Incompreendido por sua época, e, sob muitos aspectos ainda hoje, internado, tratado pela psiquiatria dos psicofármacos, eletrochoques, como se fora um bicho ameaçador, por suas ideias, atitudes, registrados em textos diferenciados.

Ao não submeter sua estrutura de pensamento ao olhar medíocre de quem ousou tratá-lo, é aprisionado e torturado com experimentos vários, propondo normalizar sua condição crítica, analítica, revolucionária.

O incômodo Artaud ao mundo de sua época, lhe custou a própria liberdade, uma vez que passou a maior parte da vida entrando e saindo de manicômios, onde a psiquiatria tentava ajustá-lo.   

Artaud ensina: “Há um ponto em vocês que médico algum jamais entenderá e é este ponto, a meu ver, que os salva e torna augustos, puros e maravilhosos: vocês estão além da vida, seus males são desconhecidos pelo homem comum, vocês ultrapassaram o plano da normalidade e daí a severidade demonstrada pelos homens, vocês envenenam sua tranquilidade, corroem sua estabilidade.” (Escritos de Antonin Artaud, 2019. Pág. 29),

Até encontrar a abordagem da Filosofia Clínica (versão inicial dos anos 1990), o que se tinha, com raras exceções, era o que descreve o pensador dos escritos. Desde 1970 conheço essa realidade, primeiro como acompanhante, depois como Filósofo Clínico. Inicialmente no sanatório Kaempf, rebatizado de Vida Nova, em Santa Cruz do Sul, hoje extinto, devido a lei de reforma psiquiátrica (lei antimanicomial 10216/2001). Depois na ala psiquiátrica do hospital universitário de Santa Maria, ainda o Hospital Espírita em Porto Alegre, e outros.

Uma peregrinação infindável em busca de cura, para a loucura de um de seus integrantes. Interessante notar que o diagnóstico se iniciava dentro de casa, na própria família, seja por ignorância ou interesse, aí se encontrava um personagem ideal (meu pai) para representar o desajuste familiar. Uma pessoa sensível, generosa, alegre, animada, algumas vezes revoltada, que gostava de viver e conviver. A psiquiatria, a família, a sociedade, transformou sua singularidade em vegetal, um pouco antes de partir.  

Com Artaud: “Foi assim que uma sociedade tarada inventou a psiquiatria, para defender-se das investigações feitas por algumas inteligências extraordinariamente lúcidas (...). A sociedade mandou estrangular em seus manicômios todos aqueles dos quais queria desembaraçar-se ou defender-se (...) um louco é também um homem que a sociedade não quer ouvir e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis.” (Escritos de Antonin Artaud, 2019. Págs. 162 e 164).   

Não é raro encontrar na esteticidade seletiva, um caminho de tradução aproximada, para as fases de desestruturação subjetiva, algumas vezes até um pouco antes do acolhimento compreensivo, da interseção clínica dialogada, e construções compartilhadas.   

A analítica da linguagem em Wittgenstein ensina que o sentido das palavras pertence ao sujeito que fala, escreve, silencia. Os jogos de linguagem precisam ser compreendidos em sua fonte de originalidade e não fora. Uma hermenêutica que despreze essa característica fundamental da singularidade, se associa ao rol de torturas, distorções, experimentos psiquiátricos (sonoterapia, lobotomias, choques insulínicos...) e seus coadjuvantes, tão em voga, ainda hoje na sociedade, muitas vezes travestida de boas intenções, outras disfarçadas com novas nomenclaturas.    

Nesse sentido, se associam as ideias de Michel Foucault, em sua obra: “O nascimento da clínica”, onde ensina, dentre outras coisas, que conceitos como: cura, loucura, saúde, doença, são conceitos políticos.

Por outro lado, na mesma direção, existe um clima de reflexão crítica em torno da questão, onde profissionais da nova geração e alguns veteranos, começam (no âmbito da psiquiatria) a rever pressupostos, questionar tratamentos. Em casos raros, como a antipsiquiatria e a não-psiquiatria, rasgam diplomas, reinventam práticas cuidadoras, rumos existenciais. Mas isso não é para qualquer um!

Recordo uma cantiga: um louco incomoda muita gente, dois loucos incomodam, incomodam, muito mais...

Hoje em dia, os textos de Antonin Artaud são estudados e reverenciados, no mundo do teatro, cinema, como revolucionários, libertários, expressivos, um pré-requisito a formação de novos atores e atrizes.   

Aquele abraço,

*hs  

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