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segunda-feira, 8 de abril de 2024

Filosofia Clínica Agridoce 31*

 
                                    

                              Sintonia existencial e novos paradigmas 

Existem tantos modelos de terapia quantas são as pessoas em busca de um ponto de apoio para suas questões existenciais. Com isso é possível entender sua diversidade: xamanismos, exorcismos, aconselhamentos, danças de cura, chás milagrosos, confessionários religiosos, psicanálises, psicologias, psiquiatrias, filosofias clínicas, e tantos outros rituais como proposta ao entendimento e cuidado do fenômeno humano.

Acredito que as abordagens terapêuticas, quando ofereçam um acolhimento e bem-estar aos seus integrantes, tenham a ver com a sintonia existencial (autogenia) dos envolvidos. Ressalvadas as influências do marketing, jogo de cena.      

Nos dias de hoje, impulsionados pela ideologia da propaganda (filmes, teatro, palestras, redes sociais, cursos acadêmicos, artigos de jornal, entrevistas, publicações) a liderança parece estar com a Psiquiatria, Psicanálise, Psicologia, em suas diferentes formas de apresentação. A repetição - via agendamento - desses modelos de intervenção nas mídias, reafirma a ideia (equivocada) de que essas metodologias detém a melhor resposta à crise existencial de todo mundo. Afinal, todo mundo é ninguém!

O esboço de uma nova abordagem terapêutica, conhecida como Filosofia Clínica, desde os anos 1990, iniciada com o trabalho e a pesquisa do filósofo gaúcho Lúcio Packter, vem contemplando uma fatia de pessoas diferenciadas, as quais encontram na nova abordagem um acolhimento compreensivo que suspeitavam existir, mas não sabiam onde encontrar.   

Um dos aspectos dessa nova concepção clínica, é a ideia de indeterminação (Werner Heisenberg), que se oferece em contraponto as generalizações e classificações das metodologias clássicas.

Fritjof Capra ensina: “O grande feito de Heisenberg foi expressar essas limitações dos conceitos clássicos de uma forma matematicamente precisa – que hoje leva seu nome e é conhecida como princípio de indeterminação. (...) O princípio de indeterminação mede o grau em que o cientista influencia as propriedades dos objetos observados pelo próprio processo de mensuração.” (Sabedoria incomum, 1988. Pág. 15).  

Esse pressuposto ajuda a entender o fundamento da singularidade com o qual a Filosofia Clínica trabalha, ao distanciar-se das abordagens de base DSM, suas tipologias e classificações a priori.

A contradição e o distanciamento não param por aí!

Os fundamentos do novo paradigma, encontram seus subsídios na Filosofia, como: fenomenologia (Merleau-Ponty), analítica da linguagem (Wittgenstein), hermenêutica compreensiva (Gadamer), representação de mundo (Schopenhauer), dentre outros, em íntima conversação com as práticas de consultório (hoje já são 30 anos, desde os primeiros atendimentos e turmas da formação clínica).  

A nova abordagem da Filosofia Clínica encontra seu chão numa convergência de momentos diferenciados na terapia. Tendo como ponto de partida os exames categoriais, a estrutura de pensamento e submodos, a qualidade da interseção entre o filósofo clínico e seu partilhante, é possível encontrar um caminho para qualificar o alcance das construções compartilhas na hora-sessão.

Em Capra: “Bateson costumava enfatizar que para descrevermos a natureza com precisão deveríamos tentar falar a língua da natureza.” (Sabedoria incomum, 1988. Pág. 64).

O filósofo terapeuta, inicialmente, ao acolher seu partilhante, cuida de sua própria estrutura de pensamento em interseção, para interferir minimamente (redução fenomenológica) na expressividade do outro sob seus cuidados. Depois disso atua para compreender sua linguagem em modo próprio (singular), em visitas autorizadas ao seu jardim subjetivo.

A busca por reconhecer o uso que o partilhante faz das palavras, seu sentido e direção, o contexto onde se desenvolvem, bem como a identificação da relação tópica estrutural determinante, vai concedendo ao filósofo clínico um constructo de matéria-prima para qualificar sua atividade. Nessa direção, será possível encontrar os procedimentos específicos para um partilhante, os quais, elaborados para uma determinada circunstância clínica, não poderão ser utilizados com outra pessoa. 

Fritjof Capra contribui: “Heisenberg mostrou que um elétron, por exemplo, pode surgir como uma partícula ou como uma onda, dependendo de como o observamos. Se fizermos ao elétron uma pergunta no plano das partículas, ele nos dará uma resposta no plano das partículas; se lhe perguntarmos algo no plano das ondas, ele nos responderá no plano das ondas.” (Sabedoria Incomum, 1988. Pág. 116).

Talvez essa informação contribua com a razão de se ter tantas terapias quantas sejam as pessoas, uma vez que a sintonia existencial de cada uma é singular. Sob muitos aspectos, refém de sua circunstância de vida, suas relações, o período histórico, as ideias, normas e leis de seu cotidiano, as verdades hegemônicas ao seu redor.

Assim, cabe ao filósofo clínico distanciar-se desse espírito de rebanho, num acolhimento aprendiz com a pessoa sob seus cuidados - caso a caso - para decifrar seu padrão autogênico, as alternativas que sua estrutura de pensamento oferece. Nesse sentido, cada um, de acordo com suas possibilidades, vai encontrando (na vida) um caminho para algo que lhe represente, onde sua expressividade não seja tratada como doença ou anomalia.   

Aquele abraço!

*hs   

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