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domingo, 24 de março de 2024

Filosofia Clínica Agridoce 28*

 

                                  Sobre a lógica aprendiz e seus desafetos

Um dia desses alguém que não conheço, manifestou algo através de uma amiga em comum nas redes sociais. A pessoa buscou questionar a Filosofia Clínica, sem conhecer nada a respeito, talvez por ser algo estranho, diferente. Sua amiga indicou o blog da Casa da Filosofia Clínica e lá foi ele, leu as primeiras palavras da apresentação, que diz assim: “Um endereço artesanal para convivência aprendiz com o novo paradigma (...)”, a seguir lascou: “como eu imaginava, não é algo profissional, mas artesanal, ainda estão aprendendo”.

Lembrei de Fernando Pessoa: “(...) ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala.” (Alguma prosa, 1990. Pág. 74).

A expressão do amigo da amiga me lembrou os primeiros anos da Filosofia Clínica, onde grande parte dos cronistas da capital gaúcha e do centro do país, falavam, escreviam sobre o novo paradigma. Diziam coisas como: “os filósofos agora estão oferecendo o divã a quem precisar”, “só o que faltava, a Filosofia está se metendo onde não deve”, “imagina, agora ao invés de procurar psicólogos e médicos psiquiatras, teremos de consultar os filósofos, pode?”, “em Filosofia não se estuda as psicopatologias, as doenças mentais, como poderão clinicar esses profissionais?” (...). A lista é significativa, nomes considerados de destaque em suas áreas (inclusive a Filosofia), falavam sobre o que não sabiam. A fogueira das vaidades oferecia sua versão pós-moderna.

Por volta de 1998, apareceu um jornalista escrevendo sobre o novo paradigma no caderno ‘Mais’ da Folha de São Paulo. Depois de uma visita a Porto Alegre, onde conversou com filósofos clínicos e partilhantes, conheceu o local onde tudo começou, assistiu algumas aulas, leu os cadernos didáticos, buscou saber mais e melhor do que se tratava a Filosofia Clínica. Logo depois publicou sua versão, esclarecendo, compartilhando, festejando o novo modelo de cuidado e atenção a vida.  

Fernando Pessoa auxilia: “Toda a coisa que vemos, devemos vê-la sempre pela primeira vez, porque realmente é a primeira vez que a vemos. E então cada flor amarela é uma nova flor amarela, ainda que seja o que se chama a mesma de ontem. A gente não é já o mesmo nem a flor a mesma. (Alguma prosa, 1990. Pág. 62).

A perspectiva filosófica de um saber que não sabe, mas que deseja saber e se coloca numa condição aprendiz, tem a ver com o novo paradigma da Filosofia Clínica, como um pressuposto preliminar ao acolhimento da pessoa. No mesmo sentido, o artesão acolhe o barro para trabalhar de acordo com suas possibilidades de interseção com esse material. O barro se molda, adapta, tem uma plasticidade para modificar sua estrutura, busca ser outra coisa que não aquilo que procura superar.

Um olhar de primeira vez é algo quase extinto nos dias de hoje, onde as certezas - cada vez mais - assumem o lugar da cautela, do estudo, do aprendizado com as palavras dos livros, a lógica das ruas. O fenômeno das redes sociais - muitas vezes - concede espaço para as verdades da miopia e do astigmatismo.

Penso, mas não escrevo: Querem inovação nas ciências humanas? Leiam Sócrates, Platão, Aristóteles..., bem assim os poetas, sonhadores incorrigíveis, artistas de várias cepas existenciais, acolham o xamã sufocado em cada um de vocês (...).

Em Fernando Pessoa: “Toda obra fala por si, com a voz que lhe é própria, e naquela linguagem em que se forma na mente; quem não entende não pode entender, e não há pois que explicar-lhe. É como fazer compreender a alguém um idioma que ele não fala.” (Alguma prosa, 1990. Pág. 65).

Talvez assim se possa entender os atendimentos que se multiplicam em Filosofia Clínica nos últimos 30 anos no Brasil. O fenômeno partilhante se apresenta nas pessoas com um olhar diferenciado, como se encontrassem nessa nova abordagem clínica, algo que imaginavam existir, mas ainda não haviam encontrado.

O fenômeno humano da singularidade (redescoberto) esboça - já nos primeiros anos - uma possibilidade de resgate da pessoa em seu processo de experienciar algo que lhe represente por inteiro. Nesse sentido, uma metodologia que acolha as lógicas da diferença, pela via da interseção, das construções compartilhadas, recoloca no centro da vida como ela é, um sujeito inquieto, criativo, em processo de exercitar sua condição existencial.     

Aquele abraço,

*hs

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