Qual síndrome te representa?
Um dia desses, pensando em
assistir um jogo do Grêmio, sentado, confortavelmente, diante da tv, vejo - quase
não acredito! - uma faixa em destaque, de frente para a transmissão das
imagens, que dizia assim: “Gremistas na síndrome do espectro autista”.
Outro dia uma amiga mostrou sua
medalha, conquistada numa maratona, a inscrição: “corrida da
síndrome do espectro autista”. Na mesma direção, nessas coisas que surgem em
quase todo lugar, apareceu a foto de uma menina com a camiseta escrita: “sou
autista”, ela parecia feliz, dançava... Quem postou a foto foram os pais.
Qual psicopatologia (disfarçada
de qualquer outra expressão) te representa? Escolhe, manda ver, te junta a
multidão de desavisados!
Nos últimos meses é possível
notar uma avalanche de propaganda nas mídias sociais e antissociais, divulgando
cursos, palestras, seminários das abordagens da tradição psiquiátrica,
psicanalítica, psicologias... nem a filosofia clínica escapou, em suas
variantes de distorção.
David Cooper alerta: “A violência
da psiquiatria só pode ser compreendida com base no seu dogma fundamental: se
não compreende o que outro ser humano está a fazer, diagnostique-o! Nunca
deixará de encontrar vítimas coniventes que farão o jogo. Mas começamos agora a
cansar-nos desse jogo.” (A linguagem da
loucura, 1978. Pág. 101).
Cada vez mais se propagam as
verdades da medicina do corpo, como a única possibilidade de acolhimento e compreensão
do fenômeno humano. Como se esse fosse constituído somente por ossos, músculos,
nervos, mãos, pés, órgãos internos... A farmácia da esquina e suas igrejas
encontram os fiéis na hóstia da alienação.
É antiga a proposta, de setores
da ciência, em querer localizar o esconderijo da alma. Qual o recanto onde o
espírito se abriga, ou como traduzir adequadamente a vida em suas
múltiplas facetas, modos de aparecimento, representação, sensações, ideias, buscas,
de onde vem, como se desenvolvem, qual sua estrutura?
Nesse cenário multifacetado, impregnado
de jogos de cena, um novo paradigma, ao ser incompreendido, poderá ser condenado as fogueiras da ciência normal. Um saber-poder se desdobra em fabricar loucuras,
síndromes, doenças a qualquer preço. Um dito popular ensina: “muito
cuidado ao passar em frente ao consultório do psiquiatra, pois ele vai encontrar
uma doença mental em você!”.
Uma dificuldade
que se apresenta, especificamente em nosso país, é a escassez (ideológica) de
recursos para a educação, desde seus fundamentos até a pós-graduação. Talvez a
leitura de Nicolau Maquiavel em seu texto: O príncipe, ajude a entender
essa espécie de coisa. Alguns anos atrás, quando era professor de Filosofia numa
escola particular, num momento do intervalo para o cafezinho, o diretor
afirmou: “nossa escola tem como diferencial a preparação de líderes,
empreendedores, futuros gestores da sociedade...”. Na semana seguinte, sai desse
lugar sem olhar para trás!
Com David Cooper: “Razão e Desrazão
são ambas maneiras de conhecer. A loucura é uma maneira de conhecer,
outro modo de exploração empírica dos mundos tanto interior como exterior. A
razão para a exclusão e invalidação da loucura não é puramente médica, nem
estritamente social. É, como tentarei mostrar, política.”. (A linguagem da
loucura, 1978. Pág. 153).
Cooper, esse médico psiquiatra,
um dos líderes do movimento conhecido como antipsiquiatria, desenvolveu
um conjunto de reflexões ao longo de sua clínica, que ajudam a entender sua
sintonia existencial com os desvalidos, invalidados pela chamada ciência normal
de sua especialidade e seus coadjuvantes, repletos de narrativas
para enquadrar o fenômeno humano numa medida incabível ao seu ser singular.
Ao encontrar a abordagem da
Filosofia Clínica - em 2025 serão 30 anos de dedicação exclusiva - vislumbrei
um novo paradigma, para acolher e cuidar das pessoas em seus instantes de
ressignificação existencial. Naquela época, morava em Novo Hamburgo, vinha a
capital gaúcha de jipe (modelo Ford 1960), para as aulas no antigo Instituto
Packter. Dediquei cada momento dos encontros de estudo, seminários, para
aprender os fundamentos da nova teoria, depois na clínica pessoal, e aplicados
na supervisão, nos atendimentos, na formação continuada.
A propaganda, o marketing, a divulgação de novas e velhas ideias, constituem uma ferramenta poderosa, capaz de destacar eventos importantes e significativos de nossa condição humana em processo. Seu uso, ao ter um caráter ideológico (manipulador), produz consequências que poderão ser avaliadas - crítica e reflexivamente - com um distanciamento histórico.
Aquele abraço!
*hs