Quem interna quem? O último apaga a luz, por favor!
A obra: Escritos de Antonin
Artaud, publicada pela editora LPM de Porto Alegre/RS em 2019, com
organização, tradução e notas de Claudio Willer, oferece recortes de uma hermenêutica
compreensiva, sob a ótica de um pensador singular.
Incompreendido por sua época, e,
sob muitos aspectos ainda hoje, internado, tratado pela psiquiatria dos psicofármacos,
eletrochoques, como se fora um bicho ameaçador, por suas ideias, atitudes, registrados
em textos diferenciados.
Ao não submeter sua estrutura de pensamento
ao olhar medíocre de quem ousou tratá-lo, é aprisionado e torturado com
experimentos vários, propondo normalizar sua condição crítica, analítica,
revolucionária.
O incômodo Artaud ao mundo de sua
época, lhe custou a própria liberdade, uma vez que passou a maior parte da vida
entrando e saindo de manicômios, onde a psiquiatria tentava ajustá-lo.
Artaud ensina: “Há um ponto em
vocês que médico algum jamais entenderá e é este ponto, a meu ver, que os salva
e torna augustos, puros e maravilhosos: vocês estão além da vida, seus males
são desconhecidos pelo homem comum, vocês ultrapassaram o plano da normalidade
e daí a severidade demonstrada pelos homens, vocês envenenam sua tranquilidade,
corroem sua estabilidade.” (Escritos de Antonin Artaud, 2019. Pág. 29),
Até encontrar a abordagem da
Filosofia Clínica (versão inicial dos anos 1990), o que se tinha, com raras exceções,
era o que descreve o pensador dos escritos. Desde 1970 conheço essa realidade, primeiro
como acompanhante, depois como Filósofo Clínico. Inicialmente no sanatório Kaempf,
rebatizado de Vida Nova, em Santa Cruz do Sul, hoje extinto, devido a lei de
reforma psiquiátrica (lei antimanicomial 10216/2001). Depois na ala
psiquiátrica do hospital universitário de Santa Maria, ainda o Hospital Espírita
em Porto Alegre, e outros.
Uma peregrinação infindável em
busca de cura, para a loucura de um de seus integrantes.
Interessante notar que o diagnóstico se iniciava dentro de casa, na própria
família, seja por ignorância ou interesse, aí se encontrava um personagem ideal
(meu pai) para representar o desajuste familiar. Uma pessoa sensível, generosa,
alegre, animada, algumas vezes revoltada, que gostava de viver e conviver. A
psiquiatria, a família, a sociedade, transformou sua singularidade em vegetal,
um pouco antes de partir.
Com Artaud: “Foi assim que uma
sociedade tarada inventou a psiquiatria, para defender-se das investigações
feitas por algumas inteligências extraordinariamente lúcidas (...). A sociedade
mandou estrangular em seus manicômios todos aqueles dos quais queria
desembaraçar-se ou defender-se (...) um louco é também um homem que a sociedade
não quer ouvir e que é impedido de enunciar certas verdades intoleráveis.”
(Escritos de Antonin Artaud, 2019. Págs. 162 e 164).
Não é raro encontrar na
esteticidade seletiva, um caminho de tradução aproximada, para as fases de
desestruturação subjetiva, algumas vezes até um pouco antes do acolhimento compreensivo,
da interseção clínica dialogada, e construções compartilhadas.
A analítica da linguagem em Wittgenstein
ensina que o sentido das palavras pertence ao sujeito que fala, escreve,
silencia. Os jogos de linguagem precisam ser compreendidos em sua fonte de
originalidade e não fora. Uma hermenêutica que despreze essa característica
fundamental da singularidade, se associa ao rol de torturas, distorções, experimentos
psiquiátricos (sonoterapia, lobotomias, choques insulínicos...) e seus
coadjuvantes, tão em voga, ainda hoje na sociedade, muitas vezes travestida de
boas intenções, outras disfarçadas com novas nomenclaturas.
Nesse sentido, se associam as
ideias de Michel Foucault, em sua obra: “O nascimento da clínica”, onde ensina,
dentre outras coisas, que conceitos como: cura, loucura, saúde, doença, são
conceitos políticos.
Por outro lado, na mesma direção,
existe um clima de reflexão crítica em torno da questão, onde profissionais da
nova geração e alguns veteranos, começam (no âmbito da psiquiatria) a rever
pressupostos, questionar tratamentos. Em casos raros, como a antipsiquiatria e
a não-psiquiatria, rasgam diplomas, reinventam práticas cuidadoras, rumos
existenciais. Mas isso não é para qualquer um!
Recordo uma cantiga: um louco
incomoda muita gente, dois loucos incomodam, incomodam, muito mais...
Hoje em dia, os textos de Antonin
Artaud são estudados e reverenciados, no mundo do teatro, cinema, como revolucionários,
libertários, expressivos, um pré-requisito a formação de novos atores e
atrizes.
Aquele abraço,
*hs