A loucura fabricada em laboratório
Talvez a maior dificuldade da
medicina do corpo, seja sua busca incessante em aprisionar seu saber sobre a
fisiologia humana em uma métrica de medida cabível para todas as coisas. Penso,
especificamente, na proposta de se entender as manifestações da alma, via
estrutura de pensamento, como se fossem causadas por distúrbios da química cerebral
ou consequência de desdobramentos de eventos de natureza física, tão somente.
O pedestal em que se coloca a
medicina nos dias de hoje (noutras épocas também acontecia algo semelhante),
lembra a história da própria medicina, a qual precisa rever sua condição de
medicina do corpo, sem se atribuir uma magia sobre humana que não possui. Assim poderia deixar de ser refém da indústria de
psicofármacos.
Michel Foucault em sua obra: “O
nascimento da clínica”, lembra de um evento que recolocou a medicina de sua
época (período clássico) no lugar devido, ou seja, de aprendizado constante
sobre as condições de vida das pessoas e suas moléstias.
Nesse texto Foucault destaca o efeito
que teve na medicina, as descobertas da microbiologia de Pasteur (séc. XIX). Os
desdobramentos no papel existencial do médico, o qual, até então, tratava seus
pacientes no mesmo lugar, sem assepsia adequada a sua clínica. A mão do médico,
que tocava o corpo de uma pessoa, sem luvas, ao investigar o próximo paciente, colocados
lado a lado, independente de sua moléstia, se transformava
no agente transmissor das doenças.
Esse fato, em seu tempo,
recolocou uma certa humildade e cautela, no exercício da medicina, levando as
escolas médicas a darem atenção aos diferentes modelos de assepsia,
diferenciando doenças e doentes, construindo hospitais arejados, com janelas,
portas, distanciamento entre as camas, uso de luvas e outros recursos para cada atendimento.
Quem sabe a medicina (psiquiátrica)
pudesse reconhecer sua incompetência em cuidar das pessoas em seus processos de
desestrutura e reconstrução pessoal, deixando de interná-las involuntariamente,
oferecendo seus tratamentos de eletrochoque, camisas de força, medicalização
de uma loucura. Aqui se apresenta uma questão
metodológica, de natureza ideológica, onde o médico precisaria renunciar a sua
pretensão de cura da loucura, para tratar de suas técnicas para uma
medicina do corpo. Não se meter em temas que não domina, passando a fabricar doenças,
síndromes, e outros escrachos da moda para vender remédios a candidatos
a doentes mentais fabricados em laboratório.
Bronislaw Malinowski diz assim: “Se
um homem parte numa expedição decidido a provar certas hipóteses e é incapaz de
mudar seus pontos de vista constantemente, abandonando-os sem hesitar ante a
pressão da evidência, sem dúvida seu trabalho será inútil.” (Argonautas do
pacífico ocidental, 1976. Pág. 26).
Nesse sentido, os dias de hoje,
mergulhados numa lógica de zoom, onde quase tudo é fugaz e se desmancha
no ar, sentimentos, projetos de vida, formas de entender e compreender as
coisas, pessoas, parecem reféns de uma definição absoluta, como em
outros tempos, logo superados pela ciência a demonstrar as equivocidades do que
se tinha como a última palavra.
O método científico tem esse
cuidado de acolher as hipóteses do absurdo, as quais, num primeiro momento,
podem se apresentar como algo estranho, em linguagem própria, indefinível,
reivindicando uma abordagem diferenciada para acessar a estrutura de
pensamento singular.
Aquele abraço,
*hs