Biografia, autobiografia ou o discurso da singularidade?
A intervenção que ofereço
no instagram: @hélio_strassburger, como um complemento as demais
atividades de trabalho, serviu, nas duas últimas semanas, para algumas reflexões sobre o fenômeno da escrita literária com a prática de consultório
do filósofo.
O livro: “Os construtores do
mundo”, traduzido e publicado no Brasil em 1946, pela Editora Guanabara/RJ,
traz uma breve seleção de autores estudados por Stefan Zweig, escritor, biógrafo,
austríaco refugiado em Petrópolis/RJ em 1936.
Inicialmente, num visar de
superfície, os escritos de Zweig se parecem com os conteúdos de qualquer texto literário,
inclusive com a recente: “Filosofia Clínica e Literatura – conversações”, publicada
pela Editora Sulina em 2023.
Ajustando o olhar se pode ver semelhanças
e distanciamentos nessas duas obras:
a) ambas fazem um estudo entre
suas respectivas áreas de atuação profissional, utilizando autores para
evidenciar este ou aquele ponto de vista.
b) os dois livros se debruçam em
discorrer sobre determinados aspectos em detrimento de outros, utilizando como
fonte de inspiração autores e menções de sua preferência.
c) outra semelhança é o fato de
que, como ensina Schopenhauer, a autoria, ao selecionar e falar de outros
autores, expõe uma determinada medida de si mesma.
d) a proximidade, no entanto, para
por aí. Se Zweig trata de refletir sobre alguns aspectos dos textos selecionados,
em “Filosofia Clínica e Literatura” trata-se de uma conversação da clínica
filosófica com a Literatura.
Por vários caminhos é possível destacar
na escritura, assim como na vida, um viés extraordinário, presente em cada momento
de um discurso existencial. Em Literatura, a mão que escreve se anuncia na
seleção dos textos, autores, na percepção de determinados ângulos em detrimento
de outros, como uma autobiografia redigida sem pensar.
O procedimento da
intencionalidade, ajuda a entender o processo por onde, seja na atividade
clínica, nas retóricas de seminário ou redigindo um texto, é difícil manter um
distanciamento entre as convicções da autoria e sua produção descritiva ao
falar, escrever, raciocinar.
Por outro lado, essa faceta do
fenômeno humano, auxilia o trabalho do filósofo em consultório,
a identificar os tópicos determinantes da estrutura de pensamento do
partilhante, o qual, ao se sentir livre para se expressar, pode compartilhar a
matéria-prima com que o filósofo clínico irá trabalhar.
Ainda restam muitas incógnitas no
universo da singularidade, e, o fato de determinadas áreas possuírem um
discurso de saber-poder de pretensão científica, cristalizado por inúmeras repetições
e acréscimos de sustentação, não ajuda a pesquisa comprometida com elucidar as
margens e recantos da pessoa em seu devir existencial.
Talvez esse fato, por si só,
possa esclarecer a sucessão de transtornos, espectros, síndromes... com
que algumas disciplinas da tradição se esforçam em divulgar a cada dia, como se
algo novo estivesse se apresentando. Ora, poderiam trabalhar com a noção de
singularidade (questão de método e borogodó) e descobrir um mundo
a cada atendimento, qualificando práticas, distanciando o gesso diagnóstico e
as miragens da psiquiatria e seus auxiliares.
Aquele abraço,
*hs