Por onde se diz aquilo que não fala?
O cotidiano dos atendimentos compartilha
múltiplos fenômenos ao filósofo clínico. Seu viés de acolhimento e cuidados
encontra na redução fenomenológica, um fundamento para encontrar o sujeito singular.
Um desses eventos ocorre quando a
intencionalidade partilhante - em sua narrativa - oferece conteúdos além do que
tinha previsto dizer na hora sessão. Sendo a fala a semiose por onde a pessoa
se diz, não é raro sua expressividade revelar algo mais, por um filtro que lhe
escapa num viés de momento.
Merleau-Ponty auxilia: “(...) um
homem no trabalho, que reencontra toda manhã, na configuração que as coisas
readquirem sob seus olhos, o mesmo apelo, a mesma exigência, a mesma incitação
imperiosa à qual jamais acabará de responder. Sua obra não termina: está sempre
no futuro.” (A prosa do mundo, 2002. Pág. 94).
A percepção da incompletude
discursiva, compartilha uma ótica aprendiz, numa geografia subjetiva que não
cessa de desdobrar-se. Assim é possível entender o fenômeno da intencionalidade
como filtro, o qual se ativa ao encontrar um lugar e uma interseção para esgaçar
a lógica conhecida.
Esse caráter de imprevisibilidade
retórica, é um dos meios por onde o partilhante pode ensaiar suas buscas
existenciais, descobrindo ou inventando nuances que lhe representem. O olhar de
escuta atenta do filósofo, deverá compreender esses deslizes como uma
emancipação da pessoa em direção a ela mesma.
Em Merleau-Ponty: “(...) é o
preço que se deve pagar para ter uma linguagem conquistadora, que não se limite
a enunciar o que já sabíamos, mas nos introduza a experiências estranhas (...).
Jamais veríamos uma paisagem nova se não tivéssemos com nossos olhos, o meio de
surpreender, de interrogar e de dar forma a configurações de espaço e de cor jamais
vistas até então.” (A prosa do mundo, 2002. Pág. 119).
A clínica, sob muitos aspectos,
se assemelha a um encontro da pessoa diante do espelho. Aquilo que se vê sendo
a mirada provisória de um instante, não irá oferecer a totalidade de uma
visão - se é que isso existe -, mas um determinado ângulo numa autogenia em
processo.
O dado de semiose por onde alguém
significa sua condição, quando identificado e acolhido num espaço de liberdade
expressiva, aprecia experienciar àquilo que sua cultura lhe interdita.
A característica do espanto
filosófico, própria dos filósofos precursores, caminha junto a lida de
consultório, desde a fase preliminar aos desdobramentos das sessões, como uma
aliada das novas configurações da singularidade diante de si sendo outra.
Aquele abraço,
*hs