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Você está no espaço Descrituras. Aqui encontrará alguns textos publicados, inéditos e outros esboços de minha autoria. Tratam-se de manuscritos para estudo e pesquisa. Desejo boas leituras.

historicidade das publicações

segunda-feira, 7 de agosto de 2023

Clarividências*

                          

Existem eventos onde é possível se antever o que ainda não é. Em uma atividade a priori de caráter instintivo, nem sempre cabível nalguma racionalidade, atuam como uma premonição ou mediação sem palavras. Seu teor de caráter difuso ultrapassa o aqui-agora conhecido. Um futuro imperfeito se antecipa num viés instintivo singular.

Seu teor de anúncio esparrama-se com os termos agendados no intelecto. O rumor clarividente desorganiza hábitos enraizados, desestrutura a vida mecânica do dia a dia. Os vestígios dessa visão inesperada suspeitam de algo por vir. Perplexidade diante de uma integração entre passado, presente, futuro.

A maioria desses fenômenos se dá numa interseção distorcida com suas circunstâncias existenciais. Sua tez se aproxima de algo a preencher lacunas, até então imperceptíveis. Uma atenção sensitiva pode significar esses instantes como pressentimentos. Nesses casos, a epistemologia se parece com um microscópio ao contrário.

Nessa matriz subjetiva é possível encontrar rastros de porvir. Aquilo que ainda vai chegar pode se insinuar em sonhos, devaneios, novas ideias. Esses pretextos de consciência alterada escolhem a singularidade capaz de um acolhimento.

Ao mencionar essas nuances, a natureza compartilha um dialeto próprio. Essa lógica fora de si pode emancipar aspectos desconsiderados. No entanto, quando for plenamente visível ao olhar das palavras bem resolvidas, já será outra coisa.

Assim, pode-se arriscar uma sensação preliminar sobre essa novidade. Um lugar de encontro entre saber e não-saber. Nessa conversação de essência ainda sem existência, parece avistar-se uma mescla de um aqui-agora com seu amanhã. Sua menção, um pouco antes de ter visibilidade, inaugura uma quase verdade, um resquício de algo mais.

O evento clarividência não cabe numa ótica habitual. Sua originalidade se abriga no silêncio das coisas esquecidas. Talvez sua maior ameaça seja a capacidade de rasurar fronteiras, desajustar certezas, apontar novos espetáculos existenciais.

*Hélio Strassburger in “A Palavra Fora de Si – Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem”. Ed. Multifoco/RJ. 2017.  

**Instagram: @helio_strassburger 

quinta-feira, 3 de agosto de 2023

Uma fonte de inspiração*

Um filme pode conjugar diversão e inspiração em um só momento. É o caso da obra: “Já fui famoso”. Direção de Eddie Sternberg. Netflix. 2022. 

O roteiro trata da relação de Vince, um músico de grande sucesso há 20 anos atrás, hoje desempregado, com Stevie um jovem baterista de talento incomum. Esse encontro acontece numa praça, momento em que Vince ensaia em seu teclado, inesperadamente o menino se senta ao seu lado em silêncio, e o acompanha com suas baquetas, usando a lixeira e o banco como bateria. Um espanto inicial sede lugar a uma sintonia pela música. A obra sugere uma interseção peculiar, ao apresentar dois personagens (estigmatizados) à margem da sociedade, um por estar desempregado e outro classificado como autista.  

A sinopse do filme reforça o agendamento de Stevie como autista. Aqui, outra vez, uma visão pré-concebida distorce o fenômeno da originalidade. O olhar da crítica, com base nas tipologias, cristaliza um discurso existencial em desenvolvimento aos limites de uma interpretação.     

Pode-se perceber e sentir (a obra permite esse desdobramento) que o encontro desses dois personagens singulares, acontece pelo fato de que um é incompreendido por não fazer mais sucesso e buscar um lugar para ganhar alguns trocados, e o outro por se refugiar num mundo só seu, onde somente se ingressa através da música. Enquanto um procura se abrir para fora, em busca de um lugar para se apresentar (tocar na noite), o outro se desloca para um ponto dentro de si mesmo.

Em determinado momento, caminhando pelos bairros da cidade, Vince encontra uma clínica de grupo (musicoterapia), coordenada por um terapeuta de rara sensibilidade (personagem de Kurt Egyiawan). Ao se inserir nesse espaço de partilha, desenvolve um papel existencial que nem sabia existir: uma habilidade de acolhimento e compreensão.

O grupo de convivência trabalha com pessoas excluídas socialmente. Nesse lugar reencontra Stevie que o acompanhou com suas baquetas na praça. Amber, a mãe de Stevie, que participa das reuniões, explica a Vince que seu filho não gosta de multidões e imprevistos. Revela que as crises do menino são superadas pela música, uma forma de lidar com suas dificuldades.

Noutro segmento do filme Vince, sem nenhuma chance de mostrar seu talento, vai em busca de um emprego formal numa agência. A pessoa encarregada pergunta se ele tem uma formação musical. Em que escola/faculdade estudou, quais suas referências. Como não frequentou nenhuma escola, ficou sem a vaga.

Mais adiante o roteiro revela que Vince - há mais de 20 anos - teve problemas familiares. A relação com Stevie se mostra como uma chance para reconciliar-se consigo mesmo, quase ao mesmo tempo em que contribui com a expressividade de seu parceiro baterista.  

Ao visitar a casa de Stevie, o músico encontra um quadro de Bach na parede, quando lhe pergunta: você gostaria de ser Bach? O menino responde: por que eu iria querer ser Bach? Eu quero ser eu.  Eu gostaria de ir à uma escola de música. O acolhimento de Vince e a qualidade da interseção oferecem algo mais.   

Na sequência, com um afastamento involuntário entre os dois, Stevie supera suas dificuldades pessoais, confecciona cartazes e sai em busca de um lugar para se apresentar com Vince. No mesmo período, o coordenador da musicoterapia convida o músico para substituí-lo na liderança do grupo. Noutro segmento um empresário diz a Vince, tentando recontratá-lo: você será bem-vindo, mas seu amigo baterista não, pois é uma pessoa esquisita e oferece risco aos nossos projetos. Depois disso, ocorrem algumas autogenias nos personagens.  

Em determinado momento, pela via da interseção, os personagens conseguem romper com suas armadilhas conceituais e reencontrar um lugar melhor para viver. O filme, além da diversão numa obra de rara beleza, também oferece uma atividade aprendiz sobre a sintonia entre as pessoas, as possibilidades do papel existencial cuidador, os desdobramentos das construções compartilhadas. Lembrando que a realidade, antes de ser realidade, rascunha seus originais nos territórios da irrealidade.        

O mundo dos excluídos constitui um desafio e uma referência ao exercício do novo paradigma. Talvez por seu caráter de invisibilidade, consiga transitar por caminhos à margem do saber instituído. Nesse sentido, a esteticidade seletiva contribui, encontrando na literatura, cinema, música, teatro, belas artes, uma fonte de inspiração ao ser terapeuta. 

A filosofia em sua versão clínica, acolhe o discurso existencial partilhante para encontrar a matéria-prima a sua atividade cuidadora. Os remédios existenciais, inicialmente, se esboçam nesse convívio com os dados da originalidade. Depois disso, o sujeito partilhante pode acessar sua própria farmácia subjetiva para viver melhor.  

*Hélio Strassburger in Revista da Casa da Filosofia Clínica. Edição Verão/2022.

**Instagram: @helio_strassburger 

terça-feira, 25 de julho de 2023

Papel existencial cuidador*

Um aspecto significativo do papel existencial cuidador, ao acolher o partilhante, diz respeito ao padrão autogênico em que esse se encontra, ou seja, qual a língua por onde se expressa, sua semiose preferencial, seus deslocamentos internos, sua circunstância pessoal.

A observação cuidadosa dessa referência inicial costuma conceder, ao filósofo clínico, uma via de acesso aos ingredientes subjetivos, para que ele possa elaborar os exames categoriais e constituir a base da terapia. Nessa prática aprendiz destacam-se os termos agendados no intelecto, a estruturação de raciocínio, o discurso completo ou incompleto, a semiose, a interseção; assim é possível acessar indícios preliminares da malha intelectiva do partilhante, em busca de qualificar a compreensão das suas narrativas.

Fernando Pessoa diz assim: “(...) ninguém pode esperar ser compreendido antes que os outros aprendam a língua em que fala. (...) os gênios inovadores foram sempre, quando não tratados como doidos (Verlaine, Mallarmé), tratados como parvos (Wordsworth, Keats, Rossetti) ou como, além de parvos, inimigos da pátria, da religião e da moralidade como aconteceu com Antero de Quental.” (Alguma Prosa, 1990).  

Estabelecer contato com outra pessoa em clínica reivindica um pressuposto fundamental: a competência do filósofo em realizar uma recíproca de inversão de qualidade, ou seja, visitar o mundo do partilhante com um misto de redução fenomenológica, de analítica da linguagem, de hermenêutica compreensiva, de epistemologia, do papel existencial, comprometido com a aprendizagem dessa singularidade se apresentando numa versão singular.

Veja-se o caso dos hospitais psiquiátricos, onde a regra é a internação e medicação de pessoas, por não conseguirem se fazer entender ao olhar desprovido de método para acolher suas crises de ressignificação. Assim se apresenta uma lacuna na formação psiquiátrica, em que os alunos são ensinados a reverenciar o deus farmácia, apresentado com pompa e circunstância como o recurso dos recursos.

Nesses casos existe uma incapacidade familiar, de amigos e médicos de compreender os deslocamentos que a pessoa vivencia, muitas vezes modificando a forma e o conteúdo de sua expressividade, com desdobramentos incompreendidos em seu cotidiano. Questão de método!

Fernando Pessoa contribui: “Como pode uma época compreender ou apreciar aquilo que, por definição, a supera?” (Alguma Prosa, 1990).

Sob muitos aspectos essas lógicas propõem tratar e normalizar o desconhecido, reafirmando a manutenção de suas referências. Nesse sentido, tudo aquilo que se apresenta numa língua diferente costuma ser desmerecido ou catalogado em alguma patologia. Aqui se oferece, como contraveneno, uma hermenêutica filosófica, por onde o filósofo clínico apresenta critérios para compreender o outro, a partir de seu jardim existencial.

*Hélio Strassburger in “Filosofia Clínica – Anotações e reflexões de um consultório”. Ed. Sulina/Porto Alegre/RS. 2021.  

**Instagram: @helio_strassburger

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Mozarts e Saliéris*

 

Existe um tema quase invisível, talvez por seu teor ideológico: o convívio professor-aluno (destaque), sobre o qual ofereço algumas reflexões.  

Numa relação conturbada, muitos mestres, no convívio com seus alunos de maior competência, buscam desmerecê-los. Em uma sucessão de atitudes contraditórias: algumas vezes hostis, outras elogiosas, propõe alijar o aluno de algo que lhe pertence.

O crime deste? Ter habilidades e talentos singulares na disciplina do professor, muitas vezes até ultrapassando os limites dos seus ensinamentos.

A história nos ajuda a recordar o teor clássico do tema. Na premiada peça de teatro Amadeus de Peter Shaffer (1979), inspiradora do filme Amadeus de Milos Forman (1984), ganhador de vários prêmios, vê-se retratado um período da vida e a convivência de Antonio Saliéri e Wolfgang Amadeus Mozart.

No filme, aparece um Saliéri, compositor italiano integrante da corte de José II da Áustria, retratado como um mestre competente. Professor de gênios como: Beethoven, Hummel, Liszt, Schubert. No entanto, existe ao menos uma coincidência nas versões do teatro e cinema: ambos revelam um professor Saliéri ressentido pela obra de Mozart. Um homem ao mesmo tempo invejoso e apreciador de sua genialidade.

O roteiro faz referência ao Saliéri copista de Mozart, algo que conseguia com escasso sucesso. Mozart parecia despreocupar-se com a triste, sorrateira e decadente figura de seu mestre, o qual vivia à sua sombra, como um arremedo das obras daquele. Há notícias de que Saliéri teria envenenado Mozart.

Nos dias de hoje, o fenômeno se repete em muitas escolas, faculdades, institutos, onde professores, ao constatar o aparecimento de algum virtuose em sua área, tratam sutilmente de sufocá-lo, desviar seus interesses à guisa de orientação, sujeitá-lo aos objetivos da instituição a qual representa ou usar o trabalho do ex-aluno sem qualquer menção às fontes.

Até quando faz algum elogio, o professor deixar entrever, a quem tiver olhos para enxergar, sua mágoa a transbordar nas entrelinhas, o sorriso torcido, as palavras escolhidas para colocar o desafeto no padrão dos seus horizontes. Nesse sentido, a adição de pequenas maldades em meio a uma conversa ou a humilhação em reuniões particularíssimas, longe dos holofotes e sem testemunhas, tende a funcionar.  

Esse antagonismo costuma ter origem num cotidiano de interseção mista, onde amor-ódio-inveja se mesclam. O mestre, ao nutrir sentimentos de menos valia em relação ao extraordinário pupilo, passa a escamotear mágoas e ressentimentos com falsos elogios, os quais deixam entrever ao olhar apurado, seus dissabores.

Na contramão dessas evidências, existe o educador inspirado em seu papel existencial. Numa atitude de ensinar compartilhado, socializa ensaios, descobertas, realiza-se numa arte pedagógica em busca de superação e êxito de seus alunos.  

*Hélio Strassburger in “A Palavra Fora de Si – Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem”. Ed. Multifoco/RJ. 2017.

Instagram: @helio_strassburger

segunda-feira, 17 de julho de 2023

É tempo de sacudir a poeira*

 

A edição de primavera oferece mais um conteúdo de qualidade aos estudos sobre o novo modelo de cuidado e atenção à vida. Apresenta uma contribuição para o desenvolvimento da percepção cuidadora diante desses novos tempos, por onde convivem - às vezes lado a lado - informação e desinformação, hipocrisia e verdade, gesso e plasticidade, retrocesso e aperfeiçoamento.

Contrariando a previsão inicial de Lucio Packter - iniciador da nova abordagem - de que esta geração veio apresentar a metodologia da Filosofia Clínica, nossa instituição se sustenta no sonho, trabalho e busca por qualificar procedimentos, desenvolver o novo modelo de atenção à vida, sem desvirtuar sua essência ou negligenciar conteúdo.

No convívio das aulas, encontros de estudo, publicações, se mantém a proposta de compartilhar o novo paradigma, sem distorções metodológicas. Com responsabilidade e método, investe-se na formação continuada e aperfeiçoa-se a reflexão sobre os atendimentos.

Um exemplo do que se ensina e do que se pratica nesta Casa, é a recente reimpressão do livro de Miguel Angelo Caruzo: “Introdução à Filosofia Clínica”. Publicação da Editora Vozes-Petrópolis/RJ. 2021. Esta obra integra a coleção de Filosofia Clínica da prestigiada editora brasileira, especializada na área das ciências humanas.

Outro testemunho no que se refere a esta instituição, é a recente publicação de um antigo sonho: a Revista da Casa da Filosofia Clínica, a qual se propõe, com suas edições que acompanham as estações do ano, contribuir com os estudos da formação clínica e a pesquisa, desenvolvendo a metodologia nos diálogos da teoria com os eventos de consultório.

Isso é possível graças à contribuição sensível e competente dos colegas do conselho editorial, os quais leem e releem os originais, com apurado senso filosófico-clínico, selecionando textos para uma publicação de qualidade aos leitores. Assim, os colóquios, cafés filosóficos clínicos, estudos avançados, formação continuada... constituem um eixo de sustentação da paixão dominante, elaborando um chão significativo em nossa área de atuação.

Como integrantes da primeira geração de Filósofos Clínicos, estamos atentos aos aspectos de nossa época histórica, repleta de armadilhas discursivas, ideologizadas nas propostas e práticas para desvirtuar a mensagem original da nova abordagem terapêutica.

Nesse sentido oferecemos uma análise crítica e reflexiva (Filosofia antes, durante, depois de ser clínica) permanente em nossos espaços de trabalho, como proposta de ser uma contradição com o jogo de cena e as rupturas metodológicas que se insinuam em determinados eventos de nossa especialidade.

Esta edição de primavera rima com renascimento. Seus instantes de convívio com o mundo da vida, ao qualificar o reencontro das pessoas, desconstruindo a velocidade das horas, emancipando aromas, sons, atitudes, elabora uma alquimia de cores, sabores, vivências em um mundo que recomeça.

*Hélio Strassburger in “Edição de primavera/2022 da revista da Casa da Filosofia Clínica.

Instagram: @helio_strassburger

terça-feira, 11 de julho de 2023

Outras Palavras*

Essa edição da revista está tão ou mais saborosa que a anterior, possivelmente por agregar novos temperos. Sua essência se descreve ao oferecer textos breves de colegas de várias escolas da Filosofia Clínica. Ao destacar a singularidade como forma de expressão, evidencia sua matriz metodológica, tendo como referência a pesquisa e as práticas de consultório, sem perder de vista o modelo libertário de onde se originou.

A proposta do Conselho Editorial é compartilhar um material de qualidade para consulta aos estudiosos e demais interessados na nova abordagem terapêutica. Na mesma direção, destacar a juventude e o frescor da escrita da Filosofia Clínica, a qual se encontra em pleno desenvolvimento bibliográfico.

É importante lembrar de que qualificar e aperfeiçoar o novo método não significa agregar distorções, penduricalhos, desinformação. Thomaz Kuhn ajuda a compreender a natureza dos novos paradigmas, os quais surgem como contradição ou anomalia a ciência normal (institucional).

A universidade é um exemplo dessas instituições, programadas para sua manutenção e cristalização, mantendo o controle da produção acadêmica através dos seus comentadores especializados (mestres, doutores, pós-doutores), reféns das lógicas e rituais de departamento, do contracheque, bolsas de pesquisa. Sua prática atua para solucionar as problemáticas reconhecidas. Com isso, os desvios, afrontas e crises ao paradigma da normalidade costumam ser insuportáveis.

As desavenças e rupturas em seu cotidiano de pesquisa são inadmissíveis, oferecendo resistência e forte oposição às novidades que venham a constituir ameaça ao status quo. Por outro lado, basta as novas ideias demonstrarem eficácia e possibilidade de lucro, para serem cooptadas e ressignificarem-se em ciência normal. Nesse sentido, a revista se propõe a ser um testemunho de nosso tempo. Uma busca para realizar com a palavra escrita, na brevidade de um texto, o encontro do autor com sua leitura.

Ao seguir as estações do ano, essa publicação sugere a alternância, o movimento, como condição da própria vida. Em outras palavras, se destaca a atenção filosófica (crítica e reflexiva) sobre as tentativas de distorção da Filosofia Clínica como novo paradigma. Os escritos que compõem esta publicação, têm como finalidade, tornar acessível e divulgar a produção da nova abordagem, sugerindo opções existenciais em meio a vertigem da inovação tecnológica, nem sempre em benefício do fenômeno humano.

*Hélio Strassburger in “Editorial da revista da Casa da Filosofia Clínica”. Edição de inverno/2022.

**Instagram: @helio_strassburger 

segunda-feira, 10 de julho de 2023

A palavra território*

 

Num visar repleto de possíveis, as singularidades deixam entrever vontades. Os termos agendados descrevem um ser indeterminado. Nesse endereço subjetivo onde se exercita existencialmente, a pessoa elabora rituais, apropria-se de pensamentos e atitudes, indica regiões para manutenção de seu contexto.

Ao localizar esse vislumbre de um chão por traduzir, o sujeito, em seus desdobramentos cotidianos, refere a expressividade como chave de acesso à essa intimidade, nem sempre acessível ao dado literal. Seu teor concede a duração possível por ser esboço. As possibilidades da linguagem derivam desses trânsitos pessoais.

Na distorção do olhar é possível visualizar os contornos desse continente a se mover. Assim, a realidade se institui, significa-se, desdobra-se na invisibilidade do instante. Seu aparecer inédito contrapõe-se ao ser previsível. A crise, nesse contexto de pretensão definitiva, costuma se instalar como contradição, ditos estrangeiros, evasivas, delírios precursores.

Uma confluência sobre as delimitações do possível, ao desconsiderar a utopia, o sonho, costuma alimentar a fome de irrealidade. Os eventos assim classificados, instituídos por sanção ou decreto, prescrevem a objetividade como norma, alertando sobre os limites da especulação. Antecipadamente, pode-se mapear, tipologizar a pessoa contida nos limites da palavra território. Nesse sentido, a normalidade, quando corrompida pela surpresa do fato novo, tende a reagir contra as ameaças de transgressão.  

Esse fundamento de originalidade, ao contribuir para a identidade singular, também pode rastrear princípios de verdade. Ao tornar visível esse mundo subjetivo, pode-se desconstruir a equivocidade de ter visto tudo o que existe.

Sua presença inédita se insinua nos deslizes da realidade conhecida. A mescla dessas águas antecipa a integração do antigo com o novo. Sua referência é um incerto caos a embalar travessias. A distorção, o erro, a contradição, possuem um caráter de afrontar os limites estabelecidos. Dessa coexistência problemática, é possível integrar antíteses nos rumores da nova sintaxe.

Enquanto acolhe a percepção das finitudes, elabora a trama contida nas dobras do que é permitido. Situa as tramas discursivas, em busca de entendimento sobre a origem dos relatos desencontrados, oferecendo uma leitura compartilhada sobre a estrutura do fenômeno diante de si.

Nesse espaço investigativo, o exercício das releituras denuncia a obra em nova perspectiva. Por esse caminho descritivo, pode-se ampliar a visão sobre a teia de onde brotam os rumores. A análise e a interpretação compreensiva da palavra território, para além da literalidade, apreciam subverter e ampliar fronteiras.

*Hélio Strassburger in “A palavra fora de si – Anotações de Filosofia Clínica e Linguagem”. Ed. Multifoco/RJ. 2017.   

**Instagram: @helio_strassburger  

domingo, 9 de julho de 2023

Apresentação*

As inéditas regiões da subjetividade possuem suas fontes de desassossego. Quase sempre um estrangeiro desconsiderado, em que a contradição criativa se esboça e se fortalece. Sua desrazão preferida é perseguir outros lugares, inaugurando uma epistemologia das margens para decifrar o fenômeno humano internado nos subúrbios.

Essa versão da pessoa encerrada em si mesma propõe uma insinuação descontinuada de originais. Sua pronúncia irreconhecível pode referir uma ótica a atiçar invenções e descobertas diante da matriz, ainda prisioneira nalgum ponto das próprias convicções.

Para o filósofo clínico se oferece a ocasião de vivenciar uma busca aprendiz, em que as singularidades se encontram nos jogos de uma linguagem desconhecida.  Ao partilhante ainda sem rosto, se oferece um espaço para o rascunho das intencionalidades.

Ao transbordar nalguma forma de esteticidade, é comum tudo ser extraordinário, inclusive ter um vocabulário de paradoxo com o sistema convencional. Nessa quase ficção uma desenvoltura delirante compartilha rasuras ao mundo das certezas.

Nesse espetáculo das vontades ainda sem representação, o absurdo cotidiano parece se divertir, enquanto oferece mensagens incompreendidas ao mundo normalizado. Sua matéria-prima, fonte de pesquisas, pode ser encontrada em todo lugar. Um de seus esconderijos preferidos, além do cotidiano das cidades, são as instituições totais.

A característica de quase profecia do saber transgressivo nem sempre pode ser vislumbrada a olho nu da língua conhecida. Território de aspecto estrangeiro, aprecia introduzir vestígios de originalidade na invenção das palavras. Assim o contar desconsiderado se mostra como ponto de partida, numa introspecção a propor uma autonomia discursiva.

Muitas vezes as miragens possuem mais nitidez que os disfarces por onde se insinuam. O teor da improvável comunicação se oferece num estilo próprio, a sugerir eventos inacreditáveis. Suas fronteiras se movem na agilidade dos excessos, nem sempre possíveis de acompanhar pela interseção. Os estudos da lógica precursora parecem querer mostrar, a cada interrogação reflexiva, algo mais sobre esse quase inacessível universo de apontamentos.

Nos instantes de anúncio, uma razão atua desordenada. Se não houver pressa em corrigi-la, pode significar seus desdobramentos na existência. Com a alquimia silenciosa das palavras os rituais de passagem alimentam as poéticas da arquitetura subjetiva.

O sobrevoo das hipóteses mal formuladas possui um jeito leve de ser cúmplice. As tratativas com as inusitadas derivações apreciam os eventos clandestinos para se mostrarem à luz da rua. Na raridade do instante fugaz, as incompletudes embalam o espírito da metamorfose significante, de onde os eventos peregrinos costumam partir.

A transgressão do antigo equilíbrio pela contestação reflexiva e analítica pode ser uma fonte de matéria-prima. A perspectiva desconsiderada passa a ter vida e, ao fazer referência a algo mais diante de si, desvenda interseções entre visível e invisível. Seu saber de controvérsia costuma ser irreconhecível ao viés de ontem. Sua desordem criativa, quando não sufocada pela farmácia da esquina, compartilha a desenvoltura das inquietudes. Essa semiose estranha menciona coisas que se acham onde menos se espera.   

Com o exercício da autonomia retórica os textos se oferecem à procura de um leitor de amanhãs. Nos ensaios da pessoa assim estruturada, os discursos possuem razão e desrazão. Esse é o esboço preferido pelo sujeito internado: uma lógica de náufrago aprendendo a nadar em meio à tempestade. 

Num cenário onde o jogo de cena se confunde com a própria cena disfarçada, as tentativas de descrição e entendimento multiplicam páginas em branco. Parece fazer referência sobre o desconhecido de agora e sua estética de realidade improvável.

*Hélio Strassburger in “Pérolas Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do improvável”. Ed. Sulina/Porto Alegre/RS. 2012.

**Instagram: @helio_strassburger