Sobre palavras ao vento, barquinhos de papel e um sol entre nuvens*
O início de feriado (sexta-feira
20/9, por volta das 7hs) nos oferece um discurso existencial na esquina de casa,
um manifesto singular. Trata-se de um rapaz, sem idade definida, em diálogos consigo
mesmo e seus outros ao redor. Acena para os carros, discute com as folhas da
árvore, bate no peito, abre os braços, retira um chapéu invisível para a moça
que passa.
Num instante visitamos - da nossa
janela - um esboço de quase miragem. Ao avistá-lo surge a pergunta: como suportar
essa vida sem conhecer outros endereços existenciais?
Em Porto Alegre, depois de mais
uma hecatombe (a enchente), após a pandemia, com os incêndios florestais, ainda
temos de ler num jornal da cidade que um dos principais responsáveis (pelos
sufocos locais) tem a possibilidade de ser eleito em primeiro turno.
Como censurar a lógica dos
exilados, alienados? Gente que encontrou um território para navegar pelas águas
de si mesmo, na companhia de alguns convidados?
José Castello indica: “Meu tio
recomenda a ginástica, o ar puro e os banhos de mar. ‘Esqueça os livros, você
sofre deles. Prefira a vida’. Quer que eu perca a palidez e que encorpe. (...) ‘Meu
filho não tem saída’: a frase me empurra, em definitivo, para dentro de mim. É
daqui que escrevo, de meus subterrâneos.” (Ribamar, 2010. Págs. 87 e 88).
Um horizonte tímido ensaia algo
por entre as nuvens carregadas de desesperança. As pessoas, nesse dia vazio de qualquer
coisa, seguem o sono profundo da cumplicidade. Leem seus jornais, assistem a
tv, dialogam com seus espelhos (como fazemos agora) e, ainda assim, inconformados,
reinventam refúgios de natureza singular.
Uma condição de estar a ver
navios, pode localizar um porto seguro que flutua no mundo das vontades sem
tradução. Um pretexto para redigir desatinos, descobrir-se em meio aos
labirintos da representação descabida.
A obra descreve: “O escritor é um
viajante que, contando apenas com uma precária bússola, chega a um destino que
nunca planejou. Todo escritor é um náufrago. Um Robinson. Nem por isso seu
destino se torna menos verdadeiro; ao contrário, o inesperado o avaliza. A esse
porto inexistente chamamos, enfim, de literatura.” (Ribamar, 2010. Pág. 116).
Nas páginas de um texto assim, pode-se
achar uma referência para os dias de aparente sem sentido. Ao conseguir acessar
essa bússola singular, em meio a tantos desvios de rota, agendamentos recheados
de boa vontade, a lógica dos princípios de verdade, e as retóricas bem
postadas de quem não sabe que não sabe. Mesmo assim, aqueles que sabem que não
sabem, parecem entrever um sol entre nuvens.
Os textos da solidão
compartilhada perseguem viagens, acenam aos outros que se distanciam, ou será
que somos nós que nos distanciamos? O tímido
indicativo, recém-descoberto, parece indicar vírgulas extraordinárias, para
onde - sem pensar - nos encaminhamos ao sabor dos ventos e das marés.
A brisa leve, quando encontra seu
barquinho de papel, convida a trajetos de não saber. Parece descrever refúgios ao
instante leitura. Quiçá reescrever os ritmos da vida lá fora, cogitar possibilidades,
rascunhar capítulos.
No entanto, o tempo insinua ímpetos
de regressar. É hora de içar velas para reencontrar a poltrona onde tudo
começou. Olhar em volta e perceber que o lugar de onde se partiu não existe
mais. Sendo os mesmos, somos outros os viajantes por esses refúgios do
cotidiano. Se à primeira vista pareçam palavras ao vento, as releituras indicam
uma menção as vontades ainda sem representação.
Aquele abraço,
hs