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sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Filosofia Clínica Agridoce 42*

  Sobre palavras ao vento, barquinhos de papel e um sol entre nuvens* 

O início de feriado (sexta-feira 20/9, por volta das 7hs) nos oferece um discurso existencial na esquina de casa, um manifesto singular. Trata-se de um rapaz, sem idade definida, em diálogos consigo mesmo e seus outros ao redor. Acena para os carros, discute com as folhas da árvore, bate no peito, abre os braços, retira um chapéu invisível para a moça que passa.    

Num instante visitamos - da nossa janela - um esboço de quase miragem. Ao avistá-lo surge a pergunta: como suportar essa vida sem conhecer outros endereços existenciais?   

Em Porto Alegre, depois de mais uma hecatombe (a enchente), após a pandemia, com os incêndios florestais, ainda temos de ler num jornal da cidade que um dos principais responsáveis (pelos sufocos locais) tem a possibilidade de ser eleito em primeiro turno.

Como censurar a lógica dos exilados, alienados? Gente que encontrou um território para navegar pelas águas de si mesmo, na companhia de alguns convidados?

José Castello indica: “Meu tio recomenda a ginástica, o ar puro e os banhos de mar. ‘Esqueça os livros, você sofre deles. Prefira a vida’. Quer que eu perca a palidez e que encorpe. (...) ‘Meu filho não tem saída’: a frase me empurra, em definitivo, para dentro de mim. É daqui que escrevo, de meus subterrâneos.” (Ribamar, 2010. Págs. 87 e 88).  

Um horizonte tímido ensaia algo por entre as nuvens carregadas de desesperança. As pessoas, nesse dia vazio de qualquer coisa, seguem o sono profundo da cumplicidade. Leem seus jornais, assistem a tv, dialogam com seus espelhos (como fazemos agora) e, ainda assim, inconformados, reinventam refúgios de natureza singular.

Uma condição de estar a ver navios, pode localizar um porto seguro que flutua no mundo das vontades sem tradução. Um pretexto para redigir desatinos, descobrir-se em meio aos labirintos da representação descabida.   

A obra descreve: “O escritor é um viajante que, contando apenas com uma precária bússola, chega a um destino que nunca planejou. Todo escritor é um náufrago. Um Robinson. Nem por isso seu destino se torna menos verdadeiro; ao contrário, o inesperado o avaliza. A esse porto inexistente chamamos, enfim, de literatura.” (Ribamar, 2010. Pág. 116).  

Nas páginas de um texto assim, pode-se achar uma referência para os dias de aparente sem sentido. Ao conseguir acessar essa bússola singular, em meio a tantos desvios de rota, agendamentos recheados de boa vontade, a lógica dos princípios de verdade, e as retóricas bem postadas de quem não sabe que não sabe. Mesmo assim, aqueles que sabem que não sabem, parecem entrever um sol entre nuvens.

Os textos da solidão compartilhada perseguem viagens, acenam aos outros que se distanciam, ou será que somos nós que nos distanciamos?  O tímido indicativo, recém-descoberto, parece indicar vírgulas extraordinárias, para onde - sem pensar - nos encaminhamos ao sabor dos ventos e das marés.  

A brisa leve, quando encontra seu barquinho de papel, convida a trajetos de não saber. Parece descrever refúgios ao instante leitura. Quiçá reescrever os ritmos da vida lá fora, cogitar possibilidades, rascunhar capítulos.

No entanto, o tempo insinua ímpetos de regressar. É hora de içar velas para reencontrar a poltrona onde tudo começou. Olhar em volta e perceber que o lugar de onde se partiu não existe mais. Sendo os mesmos, somos outros os viajantes por esses refúgios do cotidiano. Se à primeira vista pareçam palavras ao vento, as releituras indicam uma menção as vontades ainda sem representação.   

Aquele abraço,

hs    

     

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