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segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Filosofia Clínica Agridoce 39*









    

                                  Quem fala naquilo que se diz?

Os relatos sobre um encontro consigo mesmo, em meio a uma floresta de distorções, freios existenciais, podem estar refugiados no lugar algum de nenhum lugar, ou seja, nas páginas amarrotadas e desprezadas dos seus devaneios, projetos, onde as memórias ficaram cristalizadas pela desconsideração dos princípios de verdade.

Veja-se um caso em recíproca de inversão: “Num dia a dia de múltiplos envolvimentos, aquilo que só você poderia ser e fazer, foi se apagando, esquecido de si na distorção de papéis existenciais.  

Ainda quando buscava ajuda nesse meio, encontrava conselhos e direcionamentos para se adaptar a lugares de onde procurava partir. Ao insistir nessa desarmonia no mundo do trabalho, na família, com os amigos, a desestruturação atingia seu grau máximo, necessitando de especialistas em desvios comportamentais e seus tratamentos de choque de realidade.    

Seu cotidiano assim descrito, se traduzia numa rotina sem sentido, para sustentar algo distante do seu melhor, isso você sabia, o que não sabia era a existência de uma abordagem que poderia auxiliar, em seu processo de reencontro consigo mesmo. Uma metodologia sem aconselhamentos, interpretações diagnósticas, prognósticas e o diabo a quatro sobre quem você deve ser, como deve se portar, o que deve comprar, quais remédios tomar, em quem acreditar.  

Num final de semana, ao encontrar - num lugar estranho - uma palestra sobre Filosofia Clínica e Literatura, você pôde experienciar algo novo, um acolhimento naquelas palavras estranhas, que pareciam fazer sentido, dialogando com partes esquecidas de sua própria estrutura de pensamento.

Aquelas expressões ativavam memórias distantes, do que um dia imaginava ser, fazer, acontecer, ora refugiadas em algum ponto das suas desconsiderações. Pareciam coisas que haviam ficado pelo caminho...”

A clínica do filósofo, por ter essa essência libertária - que muitos tentam aprisionar nos moldes de uma só versão - se aproxima desses instantes de crise para um decifrar compartilhado sobre os rituais de inquietude em vias de se tornar. Um aspecto é sua tez de acolhimento fenomenológico, hermenêutica compreensiva, analítica da linguagem - fundamentos filosóficos - ingredientes onde o espanto com algo inédito (a representação de mundo da pessoa), ao se descrever em linguagem própria, não é rechaçado como uma patologia, síndrome, desvio comportamental, mas um evento a reivindicar uma aproximação com sua lógica singular.

Cláudia Lage diz assim: “Máscaras, simulacros, onde forjamos uma realidade que nos diz mais do que a nossa. Disfarçados de outros, alcançamos a nós mesmos.” (Labirinto da palavra, 2013. Pág. 9).

Procedimentos como o vice conceito, a esteticidade seletiva, um roteirizar, podem ajudar esses ensaios de vida nova, por onde alguém se exercita, com a ajuda de subterfúgios contraditórios com seu cotidiano, em ensaios para reencontrar-se com suas possibilidades existenciais.  

Talvez assim, no tempo que ainda resta, com a força dos desajustados, se possa reencontrar os sonhos nas noites sem lua, nas páginas da literatura incompreendida, na vertigem de uma vida que não se vê, mas suspeita existir. Quem sabe até melhorar as coisas ao redor, amar como se não houvesse amanhãs. As poéticas da singularidade, quando encontram sua melhor versão, apreciam saborear uma porção improvável de paraíso.    

Cláudia Lage lembra Cortázar: “(...) nunca esteve preocupado em acertar ou errar, mas sim em estar de acordo com a sua visão literária.” (Labirinto da palavra, 2013. Pág. 64). 

Ao ser levado pelas propostas de ser bem-sucedido, na ótica dos princípios de verdade, uma pessoa pode desviar-se de sua condição de maior intimidade, passando a desempenhar atividades que possam lhe alcançar alguma recompensa na comunidade dos desavisados. Sendo reféns das mesmas verdades, seguem multiplicando velhos ensinamentos sem pensar.   

Para ser inteiro consigo mesmo, em meio a tanta distorção de sua expressividade, pode ser preciso navegar por águas desconhecidas, localizar e aprender a ler a geografia subjetiva de sua singularidade. Vivenciar as rotas de autodescoberta para um endereço existencial incomparável, onde ser sujeito de sua história não seja um crime ou pecado, punido com o fogo das classificações ideológicas.  

Aquele abraço,

hs

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