Onde você está quando se encontra?
Das possibilidades para uma
aproximação com o fenômeno da singularidade, se destaca a linguagem na qual o partilhante
se expressa, por onde se diz, como e quando se rascunha existencialmente em
relação aos princípios de verdade, com as pessoas de seu meio, consigo mesmo.
Em Filosofia Clínica, mais que
usar a palavra singular de forma equívoca, distorcida, generalista, se oferece
uma abordagem para acolher e compreender os meios por onde a pessoa tenta existir.
Quais as origens, os deslocamentos de sua representação. De onde vem, para onde
vai, onde se encontra, desencontra, reencontra, em outro lugar da mesma
estrutura, a qual, sendo a mesma, já é outra. É possível a investigação
aprendiz para uma tradução compartilhada desses instantes de vir a ser.
À primeira vista, em busca de um
entendimento de sua desestrutura, a pessoa costuma procurar amigos, familiares,
os quais, na maioria das vezes, não conseguem entender o que se passa, qual o
sentido das suas expressões, qual língua está falando. É comum, como proposta
de algum controle e manutenção, qualificar a pessoa como descontrolada,
desmiolada.
O referencial para uma condição
aprendiz, tendo em vista o novo paradigma da Filosofia Clínica, é uma
aproximação de cuidado e atenção a isso que se apresenta como um movimento precursor,
de mudança de rota, inicialmente desencontrado de si para consigo mesmo. Um
desses lugares onde o filósofo clínico atua para acolher, transitar, aprender
os rituais dessa expressividade, tendo como mapa a estrutura de pensamento do partilhante.
Não é raro acontecer revisitas ao passado ou a um futuro incerto, ambos movimentos intelectivos
em deslocamento longo, para tentar acessar o que se passa ou buscar um refúgio
nalgum lugar seguro, longe dessas vertigens para fora de si.
Heidegger compartilha: “Queremos
ao menos uma vez chegar no lugar em que já estamos”. (A caminho da linguagem,
2004. Pág. 8).
No entanto, pode ser um
sofrimento adicional encarar o dia a dia em um processo de não-ser, onde as
crenças, companhias, lugares, cotidianos, multiplicam a sensação de desamparo, em
meio as inéditas percepções, sensações, como algo novo ao próprio vocabulário em
processo de reescrita.
Um dos problemas de maior
impacto, nesses momentos, é a internação involuntária, onde o alienista encharca
seu paciente com psicofármacos (sossega leão), para conter essa
dialética em busca de superar velhos endereços existenciais. Essa primeira
consulta, a internação, a medicalização, costumam ser decisivos para o futuro
da condição da pessoa, a partir de agora, um paciente psiquiátrico.
Existem muitas maneiras de se
encontrar com esses instantes de caos precursor, talvez a mais significativa,
seja o estudo preliminar de sua semiose, ou seja, por onde a pessoa se comunica
consigo mesma e com seu entorno existencial. Aprender ou não aprender sua
língua pode significar intervenções para distorcer sua singularidade em
processo, mudando radicalmente o rumo dos atendimentos, significando a pessoa como
partilhante ou em prognósticos de ser paciente.
Em Heidegger: “O estranho está em
travessia. Sua errância não é porém de qualquer jeito, sem determinação, para
lá e para cá. O estranho caminha em busca do lugar em que pode permanecer em
travessia. ‘O estranho’ segue, sem quase dar-se conta, um apelo, o apelo de se
encaminhar e pôr-se a caminho do que lhe é próprio.” (A caminho da linguagem,
2044. Pág. 31).
Outra vez recordo as lições de
Parmênides e Heráclito, quando - há mais de 2000 anos atrás - defendiam suas teses
sobre a permanência e a impermanência. Pelo menos duas grandes escolas
disputam, ainda hoje, a posição de como abordar e cuidar do fenômeno humano em
seus dias de crise de ressignificação pessoal, isto é, aquela que defende
diagnósticos precisos, cristalizados, com base em definições bem ajustadas (psiquiatria e coadjuvantes) e aquelas abordagens com fundamentos de obra
aberta, atuando de acordo com o fenômeno da singularidade (Filosofia Clínica e
algumas Terapias Alternativas).
Nesse sentido, o discurso
existencial do sujeito em vias de não-ser, pode ser freado ou trabalhado para
ser aquilo que sua condição pessoal reivindica. Por aí, a vida persegue seus rituais,
como se fôssemos os primeiros habitantes desse indecifrável (por inteiro)
planeta em formas de existir. A ciência segue estudando, analisando,
refletindo, a estrutura significativa desses eventos de transgressão, por onde
a natureza - em ritmo e tempo próprio, concede sinais, pistas, rascunhos do que está por vir.
Não seria exagero defender a tese
da Filosofia Clínica como um desses esboços para depois de amanhã, quando a
categoria tempo e a multiplicidade de traduções, deixar a surpresa e o espanto
filosófico de lado, para lhe conceder um rótulo ou distinção acadêmica. A
partir daí, com definições acessíveis a uma sintonia de senso comum.
Aquele abraço,
hs