“Viemos do pó e ao pó retornaremos. A vida é o que fazemos no breve instante entre a poeira e a poeira”.
Gustavo Bertoche
Um dia desses, num texto
publicado nas redes sociais, o professor Gustavo Bertoche, possivelmente um dos
maiores pensadores brasileiros, destaca um papel dos pais na
educação dos filhos.
Tendo como referência uma questão
formulada por seu filho de 12 anos, onde este lhe pergunta: “qual o objetivo da
vida?”, o filósofo encontra uma resposta em Aristóteles, ao indicar
que o objetivo da vida é descobrir o que de melhor podemos fazer e fazer cada
vez mais.
Ao ter um horizonte reflexivo com
base na Filosofia Clínica, onde se acolhe e cuida do fenômeno da singularidade,
é uma raridade encontrar alguém ocupado em desenvolver em seus filhos - desde tenra
idade - um senso de autoconhecimento, reflexão, ensaio, descoberta.
Nossa sociedade de consumo, via
de regra, estruturada como imitação e um olhar voltado para fora, em busca de
outras línguas, onde sequer se consegue desenvolver a própria linguagem diante
do espelho, estimula-se a viagem para longe, de onde se acenam joias raras, vivências
extraordinárias, mundos fantásticos.
Quando se trata da educação escolar,
que oferecem currículos bilingues, onde se aprende português/inglês ou português/francês
ou português/alemão, parece reforçar a ideia de que algo superior vai ser encontrado
sempre noutro lugar.
Desconheço um exemplo onde se ofereçam
disciplinas voltadas para um processo de autoconhecimento, respeitando os
trajetos da realidade em processo do aluno. Esses eventos, ao prescrever seus
roteiros, agendam formas de sentir, pensar, escolher, quase sempre como algo
inacessível.
Ao se descobrir extraordinário, único, diferente,
singular, se pode ter uma tipologia como recompensa, ser portador de um distúrbio,
ganhar a medalha da anormalidade, manifestar uma nova síndrome, dessas que os
especialistas multiplicam para manter suas metodologias capengas.
Maurice Blanchot recorda Artaud: “Entretanto,
na época da correspondência com Jacques Riviére, enquanto ainda escrevia poemas,
ele conserva claramente a esperança de se tornar igual a si mesmo” (O livro por
vir, 2005. Pág. 53).
No contexto escolar é comum a
oferta generosa de matérias para estimular raciocínios, construir e desconstruir
coisas, elaborar maquetes, desenvolver novas tecnologias como a robótica e a IA.
Assim esses estudos aliados a educação familiar, a qual é refém do que fizeram
com os pais, avós, bisavós, na maioria das vezes, reproduzem com seus filhos,
aquilo que fizeram com eles.
Por outro lado, na mesma direção,
existem aqueles raros, que alimentam a curiosidade na direção de um processo voltado
para a autodescoberta, como uma janela que se abre para dentro, permitindo enxergar
e conviver com os próprios sentimentos, sensações, ideias, desenvolvendo a
pitada de infinito que lhe toca.
Em C.S. Lewis: “A Literatura
enquanto logos é uma série de janelas, ou mesmo de portas.” (Como
cultivar uma vida de leitura, 2020. Pág. 16).
A Filosofia e a Literatura poderiam
ter um papel de destaque nesse processo.
Talvez, a partir de uma interseção
singular da pessoa com ela mesma e seu mundo, seja possível compartilhar as
novidades que vão brotando de dentro para fora, como algo inédito, a provocar espantos
em forma de rascunho, estimular aptidões de invenção, criatividade,
originalidade. Com isso, no tempo subjetivo do outro, em seu próprio território,
seria possível conjugar ingredientes adequados aos momentos de novidade em cada
instante de seus dias.
Aquele abraço,
hs
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