Onde estão as asas e os passarinhos?
Existe um lugar indeterminado em
cada pessoa, escondido nalgum ponto de sua periferia. Esse endereço, pela via
da intencionalidade, pode ensaiar os primeiros passos, dependendo do
acolhimento e espaço para experimentação.
Tive dificuldades em me adaptar as
classes normais das escolas onde tentavam ensinar o lugar onde deveria
me estabelecer, isto é, buscar as melhores notas num sistema comum. A muito
custo concluí o ensino médio e a graduação. Lembro, por exemplo, a dificuldade
em entender a lógica formal aristotélica. Após duas reprovações na
disciplina, busquei refúgio na biblioteca da universidade.
Lá encontrei um livro sobre lógica
dialética de Caio Prado Junior, onde tudo começou a fazer sentido, ou seja,
a lógica formal aristotélica era fácil, eu dificultava as coisas. Com a lógica
dialética pude perceber a diferença entre a cristalização discursiva daquela
e a plasticidade dinâmica desta. No semestre seguinte enfrentei a cadeira de lógica
formal noutros termos, agora com as melhores notas. Havia compreendido uma
pela outra.
Sartre indica: “(...) os livros
foram meus passarinhos e meus ninhos, meus animais domésticos, meu estábulo e
meu campo; a biblioteca era o mundo colhido num espelho; tinha a sua espessura
infinita, a sua variedade e a sua imprevisibilidade.” (As palavras, 2000. Pág.
37).
Ao pensar a interseção das
pessoas com seu devir singular, parece necessário um endereço existencial, uma
linguagem que faça sentido para sua especificidade em desenvolvimento, para
depois compartilhar algum conteúdo para sua realidade em processo.
Jean-Paul Sartre em sua
autobiografia As Palavras, refere a importância de sua relação com a
biblioteca do avô, o encontro com os livros e a ampliação de sua visão, podendo
contemplar aquilo que buscava sem saber. O espanto em descobrir nas prateleiras
as obras para alimentar sua singularidade de menino inconformado com os limites
de uma educação rígida, formal, igual para todo mundo.
O filósofo compartilha: “(...) todas as crianças são inspiradas, nada têm a invejar aos poetas, que são pura e simplesmente crianças.” (As palavras, 2000. Pág. 50).
Um aspecto que merece ser lembrado, é o fato de que os sonhos, as esperanças, os devaneios, embalando nossa infância, adolescência, os dias de hoje, permanecem intactos em nossa subjetividade, podendo, a qualquer momento, manifestar sua condição, até então exilada, à espera de um instante qualquer para se dizer.
A poesia existencial - em cada
pessoa - desmerecida pelas ideologias de consumo, elas mesmas devorando-se para
se sustentar, talvez pudesse encontrar, nas franjas exiladas de si mesma, uma reescrita
para seu roteiro existencial.
Aquele abraço,
*hs