Síndrome de vira-lata?
É interessante notar o fato de
que, no Brasil, algumas armadilhas conceituais volta e meia se reapresentam, em
nova roupagem, reagendando suas máximas as novas gerações. Como a verdade
enraizada de que o que é bom vem do exterior, de longe. Ou que a língua
universal é o inglês, ou os estilos de escrita, pintura, teatro, a forma de
compor músicas, as roupas da moda. Divulga-se (com fartura de agendamentos) o
que vem de outro lugar como algo melhor.
Foi Nelson Rodrigues que, após a
derrota do Brasil para o Uruguai na final da copa do mundo de futebol em 1950,
em pleno Maracanã, cunhou a expressão: complexo de vira-lata.
Em campos de atuação como a
antropologia, sociologia, filosofia clínica e outras, embora seu amplo espectro
de aplicabilidade e inserção junto as pessoas de seu meio (bairro, distrito, cidade,
estado), ainda padecem de ter que escutar coisas como: isso é muito bom! Só
pode ter vindo da Europa, dos USA.
Agora, então, imagine um novo
paradigma como a invenção do rádio e o telefone (Pe. Landell de Moura, 1893),
o avião (Santos Dumont, 1901), a radiografia (Manuel de Abreu, 1936), a máquina
de escrever (Pe. João Francisco de Azevedo, 1861), a Filosofia Clínica (Lúcio Packter,
1990), sendo a maioria autodidata ou oriunda de outras áreas, com rara participação
acadêmica.
Thomas Kuhn ajuda a entender o
fenômeno: “Qualquer nova interpretação da natureza, seja ela uma descoberta,
seja uma teoria, aparece inicialmente na mente de um ou mais indivíduos. São eles
os primeiros a aprender a ver a ciência e o mundo de uma nova maneira.” (A
estrutura das revoluções científicas, 2013. Pág. 241).
No caso das ciências humanas,
especificamente na área de atuação das especialidades de base Psi, o que se
testemunha é uma incompetência generalizada (questão de método) em compreender o
fenômeno da singularidade.
Seja qual for o motivo (limitação
nos estudos, acomodação profissional, dependência econômica), esse aspecto de se
rechaçar a novidade (não contemplada pela ciência normal), torna-se um empecilho
para o acolhimento e desenvolvimento dos novos modelos de compreensão e intervenção
na realidade.
A metodologia ensinada em escolas,
universidades, institutos de formação, com suas tipologias, classificações, a
dependência da psicofarmacologia, passam longe de acolher a pessoa em seu
contexto de ser inédito. Um exemplo disso é a multiplicação de síndromes, distúrbios,
pelo fato de não se admitir e reconhecer uma abordagem capaz de superar as
verdades de pretensão científica que chegam do outro lado do Atlântico.
Arnaldo Jabor compartilha: “Fisiológicos
seculares, patrimonialistas, teimosos, arrogantes, malandros, ignorantes,
prepotentes, apenas nos resta pensar: o que nos falta desaprender para chegar a
um ideal de país? Como faremos para chegar ao futuro de uma desilusão? Quantas
décadas levaremos para desaprender toda a estupidez que cultivamos durante 400
anos?” (Jornal O Globo, 20 de janeiro de 2001).
Nos dias de hoje, é comum professores
indicarem tratamento psicológico e psiquiátrico aos alunos divergentes, muitas
vezes incomodados com os conteúdos distantes de sua área de interesse, turmas
superlotadas, professores despreparados e desmotivados para a sala de aula. Sem
contar a proliferação de questões familiares, interesses, disputas. Assim,
parece cômodo diagnosticar – autismo, pânico, burnout – as doenças da
moda, como justificativa ao fracasso na convivência com o fenômeno da
singularidade.
Aquele abraço,
*hs