Quem ou o que significa você?
Outro dia uma partilhante compartilhou
um evento ocorrido quando da sua primeira sessão com o psicanalista. Algo que a
fez buscar outra abordagem terapêutica.
Dizia ela: “O analista, alguém que
eu nunca tinha visto antes, na primeira sessão, após as palavras iniciais,
orientou que me deitasse no divã e ficasse à vontade. A seguir, como faço em
minha casa, tirei as sandálias e me deitei confortavelmente. Imediatamente o
doutor fez a seguinte afirmação: ‘sei, sei, tu estás querendo me seduzir
mostrando teus pés (...)’. Isso me fez muito mal, pensei que eu tinha ido ao
lugar errado...”
Esse exemplo - tenho muitos
outros - serve como reflexão metodológica do que não fazer em Filosofia
Clínica. Um alerta a quem segue indiscriminadamente as hegemonias e as modas do
momento, os agendamentos da publicização e outros aspectos da ideologia dos
princípios de verdade.
Vejo esse relato como uma questão
de método, ou seja, como se apresenta numa abordagem de hermenêutica
interpretativa, de onde um saber-poder especialista (psicanalítico), refere saber
mais sobre seu paciente do que ele próprio. A partir de então, este fica
refém das interpretações e significados do outro.
Levando-se em conta a fragilidade
existencial desses momentos de ressignificação, a problemática se amplia, no
que diz respeito as distorções que a pessoa é alvo. Noutras palavras, afastando,
cada vez mais, a possibilidade de ser sujeito em uma história que deveria lhe
pertencer por inteiro.
Usando expressões do método utilizado
com a paciente, percebo um sadismo controlador nessa espécie de
abordagem, quando se desrespeita a matéria-prima dos atendimentos, com significados,
distorções, agendamentos, para desqualificar uma realidade em processo.
No caso da partilhante, na
continuidade das sessões, foi possível identificar o dispositivo de autodefesa
que ela usou para desautorizar a invasão indevida ao seu território subjetivo. O
tópico significado da estrutura de pensamento, quando associado a outros
aspectos de uma autogenia, pode se traduzir como uma bateria antiaérea. Assim, um
significado, na clínica filosófica, deve ser um evento de construção
compartilhada, não uma atividade isolada do terapeuta.
A resultante de um processo
clínico em Filosofia se apresenta numa via de mão dupla, elaborada cuidadosamente,
desde os instantes iniciais dos atendimentos. Depois disso, os exames
categoriais - na versão partilhante - constituem o chão por onde se poderá compreender
a natureza e o funcionamento da estrutura de pensamento, bem como suas possibilidades
de um ser singular em processo.
Não é mágica ou propaganda
enganosa! É trabalho e método, além, é claro, do imprescindível borogodó!
Aquele abraço,
*hs