“Se duvido, penso. Penso logo existo”
René Descartes
Um dos aspectos mais importantes
da epistemologia são as derivações, contornos e sua aptidão de inventar e
manter interseção com o mundo ao seu redor. Com eficácia de multiplicar
desenlaces e engendrar novas formas de racionalidade, destaca-se ao descrever e
analisar os eventos que a integram.
Sua investigação analítica
transita entre a matéria-prima da experiência compartilhável e a organização
interna de cada pessoa. Para entendê-la melhor a introspecção e as vivências
podem ajudar. Nesse tópico é possível entender o pensar sobre as coisas a
partir dos desdobramentos da estrutura do próprio pensar. Uma reflexão a
descobrir algo mais sobre si mesma.
Até os simulacros da realidade
podem ser desvendados por essa via precursora do conhecimento. Sua expansão
acontece na relação entre atitudes especulativas, dúvidas e as provisórias certezas.
No esboço sobre si, o viés
racional desliza para contornos desconhecidos. Muitas vezes as restrições são
oferecidas pela própria subjetividade em busca de saber mais. Essa atitude,
quando determinante, elabora âncoras para se deslocar com alguma segurança pelo
universo ao seu redor.
Seu enfoque, embora possua um
caráter de maior abstração, revela um observador atento às tratativas de
discriminar com objetividade os fenômenos do viver. Sua atenção evidencia
perspectivas inusitadas ao próprio olhar.
No entanto, suas conjecturas
podem restringir os esforços para descortinar o que lhe ofusca a visão. Kant na
“Crítica da razão pura” compartilha essa faceta do humano: “não possuo nenhum
conhecimento de mim como sou, mas apenas de como apareço a mim mesmo”. (Crítica
da razão pura, 1983, pág. 95).
O pensamento possui arquiteturas
por onde a singularidade se objetiva para se familiarizar consigo mesma,
encontra subsídios na linguagem cotidiana e propõe capturar as múltiplas
facetas, para reconhecer o mutante da janela em frente.
Nas hermenêuticas para
identificar e registrar as tramas discursivas, sua natureza se refugia entre
devaneios de segurança, comprovação, onde uma lógica de ver para crer costuma
valer mais. Uma vida inteira pode ser vivida na predominância desse tópico
estrutural. Sua disposição atenta, embora parcial, sobre o próprio
funcionamento, lhe atribui uma perspicácia de ser provável.
Ainda quando inexplicável ao
próprio olhar, refere dúvidas, elenca hipóteses e ensaia experimentações.
Rituais em conformidade com a matriz determinante do entendimento e
sensibilidade. Necessita realizar escolhas e explicar o mundo com a régua
sagrada dos próprios juízos. Aproxima-se com reverência dos fatos
inexplicáveis.
Para Schopenhauer essa questão
assim aparece: “(...) o conhecimento, em geral, faz ele mesmo parte da
objetivação da vontade considerada nos seus graus superiores, que, aliás, a
sensibilidade, os nervos, o cérebro são, do mesmo modo que nas outras partes do
ser orgânico, a expressão da vontade considerada nesse grau de objetividade.
(...) a representação que daí resulta é igualmente destinada ao serviço da
vontade como meio para chegar a um fim (...)”. (O mundo como vontade e
representação, 2001. Pág. 185).
É vastíssimo e nem sempre
possível averiguar corretamente o território da Filosofia. Mesmo com algumas
igrejas a reivindicar para si a fé cega na razão discursiva, àquela parece se
divertir aod escortinar sempre novos pontos de vista.
Assim a brisa agradável não seria
uma complexidade difícil de entender, mas aproximaria ideia e sensação, para
conceder sabor e cor às coisas ao redor. Nesse sentido, seu devir também aponta
uma interminável combinação das incógnitas e esconderijos exilados em cada um.
O ar distante da postura ensimesmada parece desconhecer as armadilhas da
própria certeza. Acaba encontrando aquilo que já sabia existir.
Ernst Cassirer sustenta: “A
tarefa do conhecimento consiste em refletir e reproduzir a essência das coisas”.
(A filosofia das formas simbólicas, 2001. Pág. 188).
Sei viés de cegueira, muitas
vezes, não consegue ver diante de si mesma. Aprecia destacar a contradição e os
erros das outras verdades e, ao inspecionar o próprio aparato, pode não
reconhecer as diferenças entre os imbróglios subjetivos e a vida lá fora. Sua
análise costuma incorporar protocolos de repetição para discriminar e orientar
seu mundo. As leituras e releituras devem ter coerência, sensatez e método.
Sua teia argumentativa se expõe
para anunciar e corrigir desacordos. Essas influências costumam surgir em
tópicos como: raciocínio, discurso, termos agendados e pré-juízos. Em
Merleau-Ponty é possível outro olhar: “O segredo do mundo que procuramos é
preciso, necessariamente, que esteja contido em meu contato com ele”. (O visível
e o invisível, 1999. Pág. 41).
O esclarecimento contido nessa
forma de pensar aprecia descrições minuciosas, fundamentação e coerência
retórica. Ao observar p funcionamento e o resultado de seus registros, é
possível interpretar melhor a própria estrutura.
A racionalidade embriagada pelo
excesso de si mesma pode se desconcertar exatamente por ter razão. Uma espécie
de cegueira tópica a se estruturar nos desatinos da própria visão, a qual
descobre aquilo que já suspeitava existir.
A consciência das coisas pode
elaborar múltiplos disfarces. Quase sempre constitui um vocabulário próprio,
nem sempre possível de traduzir. Ao estar à deriva de si mesma sua coerência e
sensatez podem explodir em mil pedaços, esparramando indícios para outros
caminhos.
O discurso ideologizado aprecia
destituir a singularidade do sujeito para aprisioná-lo na incabível
universalidade. Ao tentar incluir tudo na ótica de regra e exceção, comprova o
desconhecimento sobre seus limites estruturais.
*Hélio Strassburger in “Pérolas
Imperfeitas – Apontamentos sobre as lógicas do improvável”. Editora Sulina.
Porto Alegre/RS. 2012.
**Instagram: @helio_strassburger